sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

I’m [not] dreaming of a white Christmas…



… because I don’t need to1. É só olhar pela janela, e ele está lá.

É, de longe, o Natal com mais cara dos natais dos filmes que vamos passar na vida. Afinal, a Finlândia é a terra do Joulupukki, do Pai Natal – embora, mesmo aqui, ele já tenha adotado o visual coca-cola pós-Thomas Nast2 pelo qual o conhecemos. Já que estamos longe de nossas famílias, pensamos até em ir à Lapônia e passar a data por lá. Descobrimos, entretanto, que os hoteis lotam com meses e meses de antecedência. Bruno Leite, caríssimo, cadê a crise? Ano que vem a gente se organiza melhor e escreve um post com uma entrevista exclusiva com as renas e os duendes. E poderemos revelar se a lapdance foi criada lá, ou se as crianças sentam no colo do bom velhinho devido à origem geográfica.

Tendo nascido no Brasil, morado 8 anos nos EUA e agora vivendo na Finlândia, a Flávia se tornou uma espécie de antena antropológica, e comentou sobre as diferentes tradições que vão se moldando de acordo com a cultura local (mas, espera aí, as tradições moldam a cultura ou a cultura molda as tradições?  Mestres e doutores, me socorram…):

No Brasil, o Natal tem, em grande medida, um cunho mais religioso, e os simbolismos ligados a ele proliferam. As árvores são montadas um mês antes do Natal, e existe um dia específico – o Dia de Reis, Twelfth Night – para retirar todos os enfeites. Embora passem o ano com o discurso de preocupação ecológica na ponta da língua, quando chega o final do ano, os brasileiros enchem as casas, as ruas, as árvores e a paciência de luzinhas piscando. Há cânticos, e, ao menos em Brasília, a Serenata de Natal é aguardada com ansiedade.  Isso sem falar no show do Roberto Carlos. Na noite de 24 de dezembro, as famílias se reúnem e compartilham uma farta ceia regada a peru, rabanadas e outras gostosuras. Trocam-se presentes, e, aguarda-se ansioso pelo almoço do dia seguinte, invarialmente baseado no soburô da noite anterior.

O Natal para os norte-americanos aparece meio como uma festa secundária, já que  “a” celebração deles é o Dia de Ação de Graças (Thanksgiving), na quarta quinta-feira de novembro. A loucura comercial – com Black Fridays e Ciber Mondays – já passou. Restaurantes e lojas, que fecham no Thanksgiving, abrem no Natal. Claro que a competitividade permanece: quem efeita a casa com mais luzes, quem compra mais presentes para os filhos, quem tem a árvore mais alta… Quando vemos a neve falsa dos shopping centers brasileiros, a relação é imediata com a cara de Disney do Natal norte-americano. O dia de Natal transcorre como qualquer outro, e, após a ceia, bem parecida com a brasileira, todos vão dormir, mas não antes de deixar um copo de leite embaixo da àrvore, acompanhado de biscoitos de gengibre... a troca de presentes so acontece na manhã do dia 25 – isso quando o Calvin, o Garfield ou o Charlie Brown não acordam de madrugada, ansiosos para espiar o que o Papai… Noel deixou em sua meia ou embaixo da árvore.

Aqui na Finlandia, para começar, o cenário já está pronto. Quando o Natal é branco, como o deste ano, e a neve cobre casas e árvores, não tem como não se sentir envolto pelo clima da época. Talvez pela ligação com a figura do Papai Noel, e de olho nos turistas, é possível encontrar enfeites de Natal o ano todo, e há algumas lojas especializadas só nisso. O que não existe aqui, provavelmente por causa do luteranismo dominante, é presépio. Os finlandeses não são dados a  presepadas.

A tradição manda que se comemore em família, e se tome porridge (mingau de aveia altamente consumido pelo Harry Potter) com canela na manhã do dia 24. Após isso é que se costuma sair para comprar a àrvore de Natal, em geral um pinheiro recém-cortado, de verdade, fresquinho, e as crianças passam o dia enfeitando-o com materiais orgânicos, como anjinhos de palha de trigo, bolas de sisal e estrelas de papel recortado. Aquelas bolas brilhantes, pintadas de várias cores, que caíam e geravam intermináveis estilhaços na infância não são comuns.

Ao anoitecer – bom, 15h30, né? - os parapeitos das janelas são enfeitados com velas, deixando a cidade linda e bruxuleante. As pessoas vão aos cemitérios, para lembrar aqueles que nao podem estar presentes nesse Natal. No comeco da noite, a tradicional ceia de Natal inclui presunto de porco, carne assada, batatas, e peixes defumados. Para a sobremesa, tortas de frutas vermelhas assadas em casa ou torta de ruibarbo. Após a ceia, como acontece em muitas casas no Brasil, um cristão-que-vai-direto-pro-ceu se fantasia de Papai Noel e entrega presentes.

Às vezes reclamamos da trabalheira de se fazer uma ceia, do viés comercial dado a esta e a todas as outras datas, e de uma certa “obrigação” de se entrar em um espírito natalino às vezes meio forçado. Quem estuda mais um pouquinho ainda resmunga sobre a escolha do 25 de dezembro, e sobre sua estranha proximidade com o solstício de inverno e os antigos festivais pagãos.

Mas hoje, no fim das contas, vamos passar nós dois. E o tender. E os fios de ovos e cerejas marasquino. Então deixamos todos os outros humores um pouquinho de lado e decidimos escrever a quatro mãos este texto, para celebrar a saudade das nossas famílias e amigos, com ou sem religião envolvida.

Hyvää joulua!


1 – Nota do tradutor: “Eu [não] sonho com um Natal branco… porque eu não preciso”. *
      * - Nota do editor, que é o tradutor, e o revisor: para os que não passaram os últimos 60 Natais neste planeta, trata-se de referência aos primeiros versos da popular canção “White Christmas”, de Irving Berlin, imortalizada na voz de Bing Crosby.

2- Thomas Nast (1840-1902), cartunista germano-estadunidense, criador do visual moderno do Papai Noel, além do burro democrata e do elefante republicano. Os símbolos dos Partidos, digo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O frio que veio para o casal



A pergunta mais frequente que eu e Flávia ouvimos desde que chegamos aqui, quando conversamos com amigos e familiares no Brasil, é “e o frio?”. É como se o grande desafio a ser vencido aqui fosse a diferença climática, e corrêssemos o risco de um dia acabarmos congelados tal qual Capitão América, esperando que os Vingadores nos descobrissem anos depois.

Confesso que, antes de vir para cá, antecipava com algum receio a possibilidade de viver doente, gripado, ou desanimado – preso em casa, observando impotente pela janela, enquanto toneladas de neve caíssem e eu fosse obrigado a atualizar a literatura e os filmes em DVD durante cinco meses (hei, isso nem seria tão ruim...). Essa fantasia fatalista não poderia estar mais longe da verdade.

Quando morei em Londres, nos idos de 2001, passei um semestre completamente livre de gripes, sinusites, tosses e outros sintomas candangos. Mas eram outros tempos, e o frio a que fui exposto lá não descia de zero grau. Na Escócia cheguei a sentir o que eram -2 oC ou - 3oC – o que não chega nem perto da temperatura finlandesa, quando resolve esfriar.

Nosso recorde, aqui, até o momento, foi de -20 oC. Isso, uns quarenta e cinco ou cinquenta Celsius abaixo do que estou acostumado em Brasília. E, quer saber?  A saúde está absolutamente firme, o que me prova que ou eu me dou muito mal com o calor, ou tenho alergia a minha cidade natal – o que muito me entristeceria.

Outra coisa que eu já sabia desde Londres, e que está sendo reforçada aqui: a gente se acostuma. Recordo uma cena, lá por março ou abril de 2001, em que eu estava na cantina da escola onde estudava. Embora vestisse apenas jeans-e-camiseta, sentia um calor absurdo, daqueles de transpirar. Imaginava que uma onda de calor havia se abatido sobre a Inglaterra... deveriam ser 30oC ou 35oC, no mínimo... Até que o locutor de uma rádio que tocava por lá anuciou “tempo bom em Londres, 16oC...”. Dezesseis graus haviam se tornado um “calor absurdo”...

O frio é uma variável altamente controlável, e mais administrável que o calor. Dentro de casa, a calefação permite que você fique até nu, se quiser. E com o casaco adequado, e as botas apropriadas (e luvas, e gorros, e cachecois, e ceroulas térmicas super tecnológicas), o nível de agressão a que se é submetido é mínimo.

É claro que há toda uma... burocracia gerada pelo frio. Por exemplo: em todos os locais em que vamos – restaurantes, museus, escritórios - e mesmo na nossa própria casa, o primeiro objeto que se busca – e em geral se acha – é um cabide. Entrar e sair de ambientes gera um veste-e-tira de várias camadas de roupa. Na hora de ir ao banheiro, isso pode ser um pouco... desesperador. Além disso, acaba-se por ter um sapato – ou bota – específico para caminhar nas ruas, cheias de neve, e outro para ficar no trabalho. O par fica lá, esperando você chegar, e trocar do seu battle suit para as roupas civis.

Ainda no quesito roupas, a Flávia identificou que o frio faz com que as pessoas pareçam mais elegantes. Sobretudos, botas, luvas... em tecidos e cortes mais nobres e sóbrios, fazem bem à estética. No meu caso, tive uma epifania relacionada aos patos. Quando chegamos, o prato servido no jantar oferecido pelo Embaixador foi pato, como já contamos por aqui. Agora, todos os dias, as penas de pato que recheiam minha parca sueca me mantêm quentinho. O pato é a cura de todos os males.

Outro alerta que recebemos desde antes de nos mudarmos para cá foi quanto à escuridão. Quem já teve a experiência de invernos passados na Finlândia nos dizia que o frio não era o problema, mas a falta de sol iria nos deprimir. Precisamente hoje chegamos ao dia mais escuro do ano: a alvorada se deu às 9h23, e o pôr-do-sol está previsto para às 15h13. São poucas horas de claridade, e, assim mesmo, em geral difusa pelas nuvens. A partir de amanhã, os dias voltam a crescer, lentamente.

Posso afirmar que não houve maiores alterações de ânimos por causa da falta de claridade. Senti um pouco de sono fora de hora, nos primeiros tempos, e só. De resto, o único impacto das trevas nórdicas foi o investimento, por conselho dos motoristas locais, em pequenos “reflectors” a serem pendurados nos casacos. Mas eles são bonitinhos, as pessoas aqui até fazem coleções.

A neve é um espetáculo à parte. Desde a descoberta de que o floco de neve tem de fato o formato de um asterisco, até a consciência de que neve não é necessariamente sinônimo de frio – ao contrário, em geral, quando neva, é prenúncio de que a temperatura subiu um pouco, após um tempo. E a Finlândia sabe nevar bastante (o texto é meu, e eu pessoalizo o verbo se eu quiser). As paisagens ficam lindas – claro, mais bonitas de serem aproveitadas de dentro de uma casa ou café bem quentinho – e as formações que o gelo desenha são um prazer para os olhos.

Por causa da neve, certos fenômenos sociais acabam acontecendo. Vocês não podem imaginar a quantidade de trabalhadores envolvidos em retirar o acúmulo de neve das ruas com tratores e pás, e outro dia vi dois sujeitos em cima de uma grua, varrendo o teto (!!!) dos prédios da rua ao lado.

Há, certamente, o lado... negro(?):  embaixo daquela neve fofinha e branquinha, com a qual você enche a mão e joga na esposa, esconde-se uma camada de gelo, absolutamente escorregadia. A medida que o dia vai passando, e a neve vai sendo retirada e/ou pisoteada, resta uma crosta meio marrom. Um passo descuidado e a chance de se conhecer o gosto do chão de Helsinque cresce. Para reduzir um pouco o drama das calçadas lisas, camadas de sal são jogadas sobre elas. Até agora, ainda bem, só ficamos nas patinadas, sem maiores cenas ridículas e perigosas.

E por falar em cenas esdrúxulas... A neve foi o último elemento que faltava em nossa indecisão sobre comprar um carro ou não. Até então, nós não víamos necessidade, uma vez que moramos em uma ótima localização, perto da Embaixada, e de tudo que precisamos em termos de mercados, diversões, etc. O transporte público, para o dia-a-dia, e um táxi eventual, dão conta tranquilamente das nossas necessidades. Agora, após testemunhar a luta diária dos motoristas para resgatar os veículos sonevados (a palavra não existe, mas se “soterrado” é referente a terra...). Isso sem mencionar que dirigir sobre esse tapete branco seria uma aventura absolutamente desnecessária. Tragam-me um snowmobile, talvez, e a gente conversa.

Claro que a bisneta de Tonho Funileiro, figura famosa de Frei Paulo, no interior de Sergipe, ficou feliz mesmo quando conheceu o glogg, bebida típica do inverno finlandês, e que parece MUITO com o nosso quentão de festa junina...

Em resumo, a vida por aqui não pára por causa do frio. Mas é bom lembrar que o inverno só começou oficialmente hoje... até agora era ensaio...   ;)


PS1:  Feliz Yule a todos!
PS2:  este post é dedicado ao meu colega diplomata Humberto, que adora casaquinhos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Vamos jogar chãobola?

Segunda-feira, 8 de novembro. O telefone sobre a mesa da minha sala na Embaixada toca. O identificador de chamadas mostra que a Ministra-Conselheira Mônica Nasser deseja falar comigo. Atendo. Sou convocado a ter com ela, e saio com a missão de acompanhar uma equipe do programa “50 por 1”, da TV Record, que iria, no dia seguinte, fazer uma reportagem sobre floorball. O quê, mesmo?

Internet, Google. “50 por 1”?  Nunca tinha visto, mas pareceu legal. O programa roda o Brasil e o mundo atrás de locais, experiências, atividades, costumes, hoteis, restaurantes, etc, fora do circuito turístico mais óbvio.

Não sou atleta, embora tenha praticado esgrima por um bom tempo, há uma década e vinte e cinco quilos atrás. Mas gosto e acompanho eventos esportivos. Sei o que é lacrosse, e recém me tornei entusiasta de curling, especialmente por causa das calças da seleção norueguesa. Mas floorball?  Hein?

Pergunto às colegas finlandesas de Embaixada. Floorball?  Uhmm...errr.. aaaahhh  salibandy, claro!  Piorou...

Internet, Wikipedia. Tem cara de quê, isso?  Regras básicas, principais seleções. Ah, vai haver o campeonato mundial de floorball em dezembro, e a Finlândia será a sede! Super!

No dia seguinte, estávamos no local e hora marcados - Arena Center Myllypuro, 5 da tarde -  eu e Lucas, fazendo a ligação entre a produção do programa e o pessoal da Suomen Salibandyliitto - Federação Finlandesa de Floorball. A Flávia também foi junto, gentilmente arrastada pelo marido. Fomos recebidos com toda atenção pelo diretor da área de comunicações, Markku Huoponen, com direito a café, lanchinho, vídeo demonstrativo, power point com estatísticas sobre o esporte.

Para explicar o tal floorball, nada melhor do que imaginar um cruzamento de hóquei com futebol de salão. É jogado com tacos e uma bola pequena, de plástico. Só que ninguém usa patins. Cinco jogadores, e mais um goleiro, para cada lado. Um jogo em altíssima velocidade. As raízes do esporte estão na Mineapolis do final da década de 1950, mas ficou mais parecido com o que é hoje ao longo dos anos 1970, na Suécia. Hoje em dia mais de 60 países praticam o esporte.

Nossos intrépidos Álvaro Garneiro e  José Antônio Ramalho co-apresentadores do programa, participaram de uma aula para a meninada, ministrada por ninguém menos que Janne Tähkä, uma espécie de Pelé do floorball na Finlândia. É claro que apanharam dos tacos, da bolinha e da correria, mas com certeza se divertiram e deixaram, em quem ficou de fora, a vontade de praticar. 

Aparentemente, o programa vai ao ar no segundo semestre de 2011.

Está pensando em aproveitar e se tornar cartola pioneiro no Brasil?  Já era!  Nós já estamos globalizados a esse ponto, a Associação Brasileira de Floorball já existe, e é membro provisório da IFF. Aliás, para difundir o esporte em Pindorama, não seria difícil. O material completo para dois times não chega a 500 euros, e as quadras de futsal já estão aí, prontas para receber os chãobolistas.

E não acabou ali... após esse contato inicial, o staff da Embaixada foi convidado a assistir à partida Finlândia x Rússia, na primeira fase do mundial. No quesito diplomacia, cumprimentei Matti Ahde, o Ricardo Teixeira - ao menos em termos de homologia de cargo – deles. E demos sorte aos anfitriões: não só venceram a partida por 14 x 2, como viriam a ganhar o mundial, e justamente contra os rivais suecos. 


                                                                          Hyvä, Suomi!

A promessa agora é que teremos uma aula inicial, para iniciantes absolutos. Start up lesson for dummies. Quero só ver eu desfilar meus elegantes três dígitos pelas quadras finlandesas...

Em tempo:
Federação Internacional de Floorball: http://www.floorball.org/

Associação Brasileira de Floorball
R. Albuquerque Lins, 1129, apto. 93
SP 01230-001, São Paulo, BRAZIL
Tel:: (+55 11) 3662 0561
E-mail: abrasfloorball @yahoo.com.br

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Winter Wonderland!



Sim, dá trabalho sair de casa, mas a beleza é impagável!