sábado, 28 de abril de 2012

Kuvat - Amsterdam



Sonnet 18

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate.
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date.
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimmed;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course untrimmed.
But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou ow'st;
Nor shall death brag thou wand'rest in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st,
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.

William Shakespeare



domingo, 22 de abril de 2012

Memorabília: De volta ao Brasil (parte final)

A primeira sensação da volta à Pátria Amada foi a de um calor menos familiar do que deveria. Por mais que as quase dez horas de condicionamento do ar no avião amenizassem o choque, sair de cerca de cinco graus para perto de trinta não correspondeu à uma sensação de alívio do frio, e sim de sufocamento com a sauna perene, e sem direito à eucalipto, de Brasília. Em menos de dois meses, aparentemente, o corpo já estava acostumado com um outro padrão de temperatura, e a perspectiva de ter de trabalhar de terno nos dias seguintes não ajudava.

O segundo estranhamento foi o da compreensão e do ruído. Na Finlândia, além de conviver com uma população extremamente econômica com a fala, a completa ignorância da língua faz com que seja possível abstrair o que se passa em volta – a ponto de, em algumas ocasiões, não percebermos quem alguém está se dirigindo a você, para tirar uma dúvida ou avisar que um objeto supostamente de nossa posse havia caído.

O Brasil é um país barulhento. Isso provavelmente significa mais expressão de vida, mais interação, e, quiçá, mais alegria. Essa consciência racional não bastou, entretanto, para evitar o incômodo com o nível de ruído das pessoas esperando pelas malas ou encontrando parentes na saída da sala de desembarque.

Para piorar, agora era possível entender, mais do que se gostaria, o que diziam as pessoas ao meu redor. E o festival de bobagens, incorreções, raciocínios rasos e masturbações da função fática criava uma estranha saudade do eco da máquina de lavar roupa ligada em casa. Não se trata de crítica ou esnobismo, apenas do assombro pessoal com a própria sensação de não-pertencimento que se apossava mais rápido do que imaginado.

Havia o lado bom, claro. Ser chamado à serviço, para um dos raros diplomatas nascidos e criados em Brasília, significava, por um lado, ser pago para visitar os amigos e a família. Minha mãe não conteria o sorriso, não haveria gastos com hoteis, e eu poderia matar saudade – quase inexistente, dado o pouco tempo de missão transcorrido – de certos bares, restaurantes e programas de TV.

O tal briefing no Ministério foi rápido e algo decepcionante. As tais apresentações sobre as realidades locais na área de CT&I foram completamente esquecidas, fazendo com que o esforço do estudo em cima da hora tivesse gosto de inutilidade. Por outro lado, pareceu real o entusiasmo das pessoas que lidavam com o tema, convencidos  de que o caminho para um Brasil mais desenvolvido passa pelo investimento em pesquisa, pelo estímulo à ciência, e pela destruição das torres de marfim onde a academia busca isolar-se da iniciativa privada. Um daqueles momentos nos quais é fácil concordar com as instruções dadas, e que o trabalho parece efetivamente relevante. Um daqueles momentos em que a opinião daqueles que insistem em dizer que todo servidor público é um burocrata preguiçoso e pouco proativo parece um pouco mais obsoleta.

A participação na Conferência, em si, é sempre um pouco menos focada. Como qualquer outro evento daquele porte, as apresentações são sempre rápidas, fazendo com que sejam ou óbvias demais, pela opção panorâmica, ou parcialmente incompreensíveis, caso os especialistas atenham-se a detalhes.  Vale, como toda reunião sobre qualquer tema, pelos contatos pessoais, pelas trocas de cartões, e pela oportunidade de aprender um pouco mais sobre os inúmeros programas que diversos setores do governo (mais), da iniciativa privada (menos) e da sociedade civil (hein?) têm desenvolvido. Para um ex-concursando para o Rio Branco, valeu também pela oportunidade de conhecer, pessoalmente, Bertha Becker, que tantas horas a meu lado nos meses que antecederam a prova de geografia, e que deixava de ser um nome em uma lista de indicação bibliográfica e passava a ser uma palestrante sabida na vida real. 


A panaceia da vez é a inovação. Investir em inovação nos torna mais competitivos, ricos, bonitos e inteligentes. A inovação é o pulo do gato, o início, o fim e o meio. Em torno do conceito, você pode organizar uma palestra atraente, praticamente sobre qualquer assunto… design e inovação; a década da inovação; conhecimentos tradicionais dos ribeirinhos da Amazônia e inovação; filé com bacon e inovação… De forma não surpreendente, e que faz pensar, o significado da palavra, em finlandês, está diretamente ligado algo concreto, a um novo produto, e não a uma ideia abstrata quase religiosa.

O dado especial é que o evento foi organizado precisamente no mesmo hotel em que passei minha noite de núpcias. E o Brasil que me perdoe, mas as lembranças daquele dia foram, em alguns momentos, mais fortes do que a relevância da inclusão social nas inovações em prol do desenvolvimento sustentável, ou a incoerência entre o reconhecimento retórico da importância da ciência e o comprometimento orçamentário a ela destinado.

Ao final da 4a CNTCI, a sensação era a de um aprendizado intenso em curto espaço de tempo, de um trabalho difuso, ainda que bem intencionado, e de uma imensa saudade de casa. O momento de insight, inesperado, foi aquele em que não tinha mais certeza sobre a que casa eu me referia…


PS: O texto faz parte da Sessão Memorabília, e faz referência a fatos ocorridos no fim de maio de 2010.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Memorabília: De volta ao Brasil (interlúdio)

Conexões lusitanas

A cultura e o imaginário brasileiro está repleto de construções conceituais e referências diversas às cadeias de raciocínio e às opções de elocução por parte de nossos ex-metropolitanos portugueses. Como diplomata, é parte do meu treinamento e, ousaria dizer, do meu dever de ofício desconstruir preconceitos arraigados nesses estereótipos. Mas às vezes os próprios objetos dessas visões limitadas não ajudam…

O itinerário mais direto que levava de Helsinque a Brasília, e evitava a obrigação de passar por Rio ou por São Paulo, previa uma conexão em Lisboa. A desvantagem dos voos era a permanência em solo durante longas horas, embora isso permitisse algum tempo para descanso e passeio.  

Eu já visitara a capital portuguesa em outras oportunidades, o que me fez dar preferência por reservar um hotel próximo ao Aeroporto da Portela, dormir um pouco, e, quem sabe, passear no Centro Comercial Vasco da Gama, para matar o tempo.

Entrei no táxi na saída do Aeroporto, ainda grogue de sono, devido ao horário ingrato da partida desde Helsinque – 5 horas da manhã – e recebi a primeira garantia que não estava mais na Finlândia. Ao instruir o motorista, comentei que iria para um hotel não muito longe dali. O patrício retrucou, nada carinhoso…

- “Ora, mas se é perto, porque é que não vais a pé?”

A falta de energia me impediu de responder algo à altura, que envolvesse a referência à genealogias ou orifícios corporais. Sorri amarelo, paguei a corrida – sem gorjeta, obviamente - e dormi boas horas de sono garantidas por um early check in.

Como programado, almocei no Vasco da Gama, e pude reparar que a quase totalidade dos atendentes em restaurantes ou lanchonetes eram ou brasileiros, ou nacionais de países africanos de língua portuguesa. De certa forma, isso aumentava a simpatia do serviço. Outra rápida percepção foi a de o custo de vida em Lisboa era bem mais baixo do que em Helsinque, a julgar pelo preço dos alimentos.
 
Uma sessão de cinema e um passeio pela FNAC deram sequência à tarde agradável. Senti um daqueles pequenos prazeres da vida ao entender as manchetes nos jornais e revistas. Mal tinha noção do quanto isso fazia falta no dia-a-dia de semi-analfabetismo em Helsinque.

Entender a língua local me fez, em seguida, não conter o riso, ao passar pelas prateleiras de filmes à venda, e reparar as curiosas diferenças entre Brasil e Portugal, nas traduções dos títulos dos filmes. Assim, “O Planeta dos Macados” anuncia “O homem que veio do futuro”, “Um corpo que cai” é “A mulher que viveu duas vezes” e o “Cidadão Kane” tem “O mundo a seus pés”.

Percebi que era hora de voltar ao aeroporto e desistir momentaneamente de Portugal quando decidi tomar um café no quiosque mais próximo. Relato, sem adaptações ou comentários:

- Por favor, um expresso duplo.
- Na xícara grande ou na xícara pequena?

 (sem entender bem a razão da pergunta, mas optando pela segurança):

- Uhmm.. na xícara grande?
- Ai, que bom, então… Não iria mesmo caber na xícara pequena…


Fim do interlúdio

(continua)

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Memorabilia: De volta ao Brasil (parte I)

Um dos mantras inescapáveis que invade os ouvidos dos candidatos  ao concurso do Instituto Rio Branco, ou aos seus alunos recém-aprovados, conta que tamanho era o reconhecimento das Chancelarias vizinhas à excelência da diplomacia brasileira, que era comum ouvir entre os colegas que “o Itamaraty não improvisa”.

Certamente não era nisso que eu pensava naquela quarta-feira à noite. Estava, provavelmente, navegando à toa na Internet, quando o celular recém-adquirido soou os acordes do jingle da BBC, anunciando que alguém do trabalho me ligava. A mobília ainda não havia sido recebida, e os espaços vazios do enorme apartamento, parcamente preenchidos com alguns móveis da Ikea, fizeram o toque ecoar de forma falsamente grandiosa.

O identificador de chamadas mostrava o número de telefone do plantão consular. O que teria acontecido?  Em tese, eu não era diretamente responsável pela área de atendimento a brasileiros, mas, como típico Secretário em início de carreira – e creio que esse privilégio não se resuma a esse primeiro momento - , era passível de convocação  a qualquer momento.

Cecília, nossa Oficial de Chancelaria responsável pelas comunicações do Posto, me informou sem maiores introduções, de que eu deveria estar em Brasília na segunda-feira seguinte, chamado a serviço para participar de algum evento como representante da Embaixada. “Hein?”, elaborei rebuscadamente. Ela não tinha maiores detalhes naquele momento, mas eu deveria entrar em contato com a Divisão de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Estado.

Feito o contato com Brasília, e após conversar com o Embaixador Armando, para entender melhor o que acontecia, descobri que o Itamaraty havia identificado alguns países-chave – entre eles a Finlândia – como potenciais parceiros prioritários na área de ciência e tecnologia, e instruía nossas Embaixadas nesses países a enviar representante para participar da 4a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (4a CNTCI).
 
A Conferência teria o título pomposo de “Política de Estado para Ciência, Tecnologia e Inovação com vista ao Desenvolvimento Sustentável”, e seria realizada em Brasília dali a menos de uma semana. Os convocados deveriam chegar um dia antes do encontro, para um briefing com então Subsecretário-Geral de Energia e Alta Tecnologia do Itamaraty, durante o qual era esperado que apresentassem algumas impressões sobre o tema da Conferência no âmbito dos países em que serviam.

A responsável pelo tema de Ciência e Tecnologia na Finlândia era a Ministra Mônica, que, inclusive, desenvolvia pesquisa sobre o país nórdico como ambiente de inivação. Seria o caso de ela representar a Embaixada, não fosse o fato de ser bem mais complicado, em tão curto espaço de tempo, organizar a logística de uma casa com dois filhos para o período de sua ausência.

No dia seguinte, a Ministra me passou algumas indicações de leituras, e a corrida contra o tempo começou.  Há menos de dois meses no Posto, e mantendo minhas atenções sobre a Estônia, e não sobre a Finlândia, fui introduzido a um emaranhado de intituições, órgãos e suas siglas – AKA, Tekes, VTT -   partícipes, cada um a sua maneira, do esfoço finlandês para promover a pesquisa científica e sua interlocução imediata com o setor produtivo. E, acreditem, a Finlândia aloca bastante energia e recursos para isso…

Enquanto tentava montar resumos, tabelasm diagramas e fluxogramas para entender a estrutura e as políticas de todo um setor de um país, mantinha esforço logístico paralelo para fazer a inscrição na Conferência, superar as burocracias internas do Itamaraty para aquisição do bilhete aéreo – com o sempre traumático formulário de PPV (Providências para Viagem) - e tentar reduzir ao máximo o volume de bagagem – algo sempre complicado quando se trabalha quase sempre de terno.

Foi assim que, sem qualquer improviso, embarquei quatro dias depois do telefonema, entre anotações e ansiedades, surpreendentemente de volta ao Brasil muito antes do que imaginava.

(continua)

segunda-feira, 2 de abril de 2012