terça-feira, 28 de setembro de 2010

Outono chegou!


A outra pessoa que participa desse blog, com suas fotos incríveis (kkkk), resolveu que iria falar um pouquinho sobre suas percepções dessa terra maravilhosa que é a Finlândia.

O outono chegou oficialmente no calendário dia 23 de setembro, e, com ele, a transformação da natureza e das pessoas. As árvores já começaram a ficar com suas folhas em tons que vão do amarelo ouro ao vinho, as pessoas se vestem em camadas e cachecois, luvas, casacos, qualquer coisa que aqueça é peça essencial no guarda roupa.

 Fim de semana passada fomos finalmente conhecer Oslo e reencontrar amigos que vivem por lá (falaremos em detalhes em outro post), saímos de Helsinki dia 24 com a temperatura na média dos 14 graus, e voltamos três dias depois para uma Helsinki mais fria, mas não menos bonita. Hoje pela manhã estava 4 graus, com sensação térmica de 1 grau... É, caros amigos, o outono chegou para ficar e se agasalhar.
PS: em breve a continuação dos post sobre São Petersburgo, e outros que estamos devendo...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Tende Pietari de nós – Parte 2

Na saída do restaurante, tivemos a oportunidade de ver e tirar fotos da igreja que tem o nome mais sensacional no planeta: Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado. A catedral, com suas abóbodas de cebola (não ri não, o nome é esse mesmo) coloridas e uma profusão de detalhes típica das ortodoxas russas, ganhou esse simpático nome graças ao fato de que, em 1881, o Czar Alexandre II foi assassinado pela Narodnaya Volya (Vontade do Povo), grupo  terrorista que lutava pela convocação de uma Assembleia Constituinte, sufrágio universal, liberdade de opinião e imprensa, propriedade da terra, reformas socialistas e essas outras coisas que pobre gosta. Alexandre III, sucessor do assassinado, resolveu construir, no local do crime, a tal Igreja.


Essas e outras informações, trazidas, pela Tatjana com um fôlego digno de guia mirim do Nordeste, nos fizeram pensar em como a história da Rússia é violenta. Por exemplo, o Czar Paulo I mandou construir o Castelo de São Miguel (ou Mikhailovsky zamok) cercado por canais fluviais, e cheio de pontes levadiças, cercas vivas e passagens secretas, tamanho era seu temor de ser assassinado. Resultado: após apenas 40 dias de residência no castelo, foi vítima de uma conspiração militar. Isso sem falar no caprichado assassinato do Rasputin, conselheiro místico dos Romanov, e dos 27 milhões de soviéticos mortos durante a 2a Guerra.

Por falar em Rasputin, nosso motorista era o Vladmir, sósia do Monge Louco, e trombonista profissional que ganha uns trocados a mais no mercado do turismo enquanto a orquestra está em recesso de verão. Ao chegamos na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, minha febre já tinha voltado, e eu contava os minutos para descansar no hotel. Mas ainda dava tempo de aprender que a Fortaleza foi o marco inicial da cidade, construída no início do século XVIII para resistir a eventuais ataques suecos durante a Grande Guerra do Norte. Para variar, mais histórias de sangue: centenas de trabalhadores morreram durante sua construção e, posteriormente, o local foi palco de tortura e reclusão de prisioneiros políticos. Uma graça.

Na Catedral de São Pedro e São Paulo, pudemos ver os túmulos de diversos czares russos (aliás, de todos, exceto Pedro II e Ivan VI), bem como dos Romanov assassinados pelos bolcheviques. Aliás, mais um conto de sabedoria: depois de conduzidos a uma sala da casa do Engenheiro Nikolay Ipatiev, onde eram mantidos prisioneiros, Nicolau, sua família, o médico pessoal e mais uns servos que não tinham nada a ver com a história foram fuzilados pelos soldados. A sabedoria, no caso, está no fato de que o Czar foi o primeiro a morrer, enquanto sua esposa e filhas demoraram um pouco mais, e precisaram de uma ajuda das baionetas, porque usavam muitos diamantes e outras pedras preciosas costuradas em seus vestidos. Diamonds are a girl’s best friend.


Antes de irmos para o hotel, fomos levados a uma pequena sala da Catedral, onde um grupo vocal russo entoou cânticos religiosos, eu acho. Vou contar a vocês... eu, que já ouvi muita música vocal na vida, fiquei com a sensação que aquele baixo profundo que segurava os harmônicos do grupo desfez várias pedras nos rins da audiência. Na saída, Tatjana nos contou ainda que, até a década de 1960, a agulha da Catedral de São Pedro e São Paulo, coroada por um anjo, era o ponto mais alto de São Petersburgo. Soubemos, igualmente, que, durante a II Guerra Mundial, as abóbadas foram pintadas (coitado do estagiário...) de cinza para dificultar os bombardeios.

Chegamos ao Hotel Dostoevsky só a tempo de eu apagar de gripe. A partir de agora, o relato é baseado em comentários da Flávia. Uma vez constatada minha completa incapacidade de sair para jantar, a heroica esposa buscou pelo serviço de quarto. A curiosidade é que nesse hotel, para ter acesso ao cardápio, é preciso pedi-lo por telefone. Antevendo demora e dificuldades, ela se aproveitou do fato do hotel ser encravado em um shopping centre, e conseguiu comprar, entre visitas a um mercado e a um café, um sanduíche, biscoitos e chá quente. É claro que isso tudo foi feito com a linguagem da mímica e do profunda proximidade – nenhuma – entre o português e o russo. Segundo ela, o máximo que conseguiu foi encontrar alguém que balbuciava inglês.

Tendo deixado provisões para o moribundo, Flávia e seus pais saíram para jantar. Optaram pela segurança de um restaurante italiano, o Palermo. O primeiro estranhamento foi a ausência de um taxímetro no táxi. Aprenda, camarada, que, em São Petersburgo o preço das corridas é combinado antes. A maioria dos trechos que fizemos ficaram entre 16 e 22 dólares. No Palermo, ao contrário da experiência do shopping, a Flávia encontrou um garçom simpático e fluente em inglês, e a comida justificou, segundo ela, a escolha.


Após o jantar, os três doidos resolveram que, já que não estavam muito longe, voltariam andando para o hotel – apesar de todos os alertas feitos por guias, motoristas, camareiros, balconistas e etc sobre a falta de segurança da cidade. Mais Brasil do que Finlândia, como eu disse. Logo na saída do restaurante, um senhor com uma farda aparentemente policial cruza com o grupo e fala algo – em russo, claro. Na minha opinião ele estava querendo comprar a Flávia, mas, como não recebeu muita atenção, ele entrou em um carro próximo e foi embora. Houve, entretanto, pelo que se conta, um certo momento de tensão até que a cena tivesse seu desfecho.

 Depois da quantidade de sangue que já espirrou deste post, é bom contar que a turma chegou são e salva no hotel, não sem antes ter registrado um dos ícones da vitória da guerra fria, o McDonald’s em solo russo. Ou vocês não se lembram das filas quilométricas quando o primeiro abriu em Moscou, em 1990?

A esposa afirma até hoje que, durante o jantar, tomou apenas meia taça de chianti. Eu tenho lá minhas dúvidas... ao chegar ao hotel, e me encontrar um pouquinho melhor, ela ligou a TV e assistiu a um bom pedaço do Senhor do Aneis em russo... e achando bom! Segundo ela, a língua combina, deixa o filme mais soturno...  Ah, стоп, Flávia!

(continua)

domingo, 12 de setembro de 2010

Tende Pietari de nós – Parte 1

As visitas à Finlândia continuaram, o que nos fez ficar muito felizes pelo fato de termos amigos e familiares queridos, que não nos esquecem. Para outros – principalmente aqueles que cobram novos posts, lêem o blog, mas não comentam, – a gente faz um voodoo bem legal.

Recebemos Sarah e Renato, dois grandes amigos (“amigo”, sinceramente, descreve pouco o que os dois são para mim). As aventuras deles por aqui eu comento em outra oportunidade. Em seguida, recebemos Cacilda e Messias, também conhecidos como os pais da Flávia, ou meus sogros. Eles passaram três semanas, mais ou menos, com a gente.

Logo após chegarem a Helsinque, eles e Flávia seguiram para viagens escandinavas. Conheceram Estocolmo e Copenhague. Fizeram uma rápida parada em Helsinque e passaram um dia em Tallinn. Sobre essas viagens, cobrem a co-autora do blog, que não se dignou a colocar uma foto ou comentário online.

Depois de matar a saudade da esposa – esse negócio de ficar longe dela definitivamente não é bom – viajamos os quatro para São Petersburgo – ou Pietari, como dizem os finlandeses -, no dia 3 de setembro. Pegamos o trem “Sibelius” na sexta-feira, logo cedo, e partimos em direção à mother Russia. Eu estava preocupado em conseguir efetivamente aproveitar a viagem – ou, ao menos não atrapalhar muito a dos meus companheiros: uma forte gripe havia me deixado de cama antes da viagem, e eu ainda não havia me recuperado totalmente.

São cinco horas, mais ou menos, de trem até lá. A viagem, em si, não demoraria tanto, não fossem todos os procedimentos de alfândega e imigração. Para os brasileiros, independente do tipo de passaporte, a coisa toda ficou mais fácil, já que, desde meados de 2010, entrou em vigor o Acordo entre o Brasil e a Rússia para a Isenção de Vistos de Curta Duração. Na dúvida e por segurança, levamos uma cópia do Acordo, em russo, no bolso. Entre os Governos decidirem algo e o guardinha de fronteira ficar sabendo e incorporar no dia a dia, às vezes pode levar algum tempo...  No caso da nossa viagem, tanto as autoridades russas quanto finlandesas aparentemente já estavam notificadas, e não houve qualquer problema para atravessarmos a fronteira. 


Viajar em paz, entretanto, está se tornando uma utopia... embora o trem fosse confortável, com cadeiras reclináveis, vagão restaurante bem razoável e companhia muito bem vinda, é difícil ter um mínimo de sossego – ainda mais quando se quer descansar durante o trajeto - quando os pais não controlam suas crianças. No caso do vagão que ocupamos, não bastasse ter duas crianças chorando e urrando boa parte da viagem,  os pais ainda achavam graça quando ela iam perturbar os outros passageiros. Nada contra os piás, que estão fazendo a parte deles...  pais mal educados e despreparados é que são o problema.

Você acha uma gracinha seu filho querer quebrar o recorde de decibeis alcançado por um ser humano?  Vou contar uma novidade para você: não, não é legal. Você acha que a criança deve explorar o mundo e conhecê-lo?  Concordo plenamente, mas não a custa do sossego alheio. Há lugar para tudo, zezinho, inclusive pro seu pestinha aprender a conviver em espaços comuns. Depois, cresce e vira adulto sem noção de coletividade, e você ainda vai achar ruim.

Após uns 40 minutos parados na imigração, para que os passaportes fossem recolhidos, verificados e devolvidos, entramos em território russo. Em termos de paisagem natural, não há grandes mudanças em relação à Finlândia – corredores intermináveis de coníferas se erguem ao lado do trem. Notamos, entretanto, alguns sinais de menor conservação e organização nas construções que vimos.


Devo confessar que não tinha qualquer expectativa especial sobre a cidade. O desejo de conhecer a ex-capital da Rússia foi manifestado pelo Messias, e eu tinha mais interesse em aproveitar o tempo com eles do que propriamente uma curiosidade intrínseca naquele passeio específico. Claro que a faceta de historiador acabou desperta, e todos os filmes sobre espionagem na época da Guerra Fria fizeram com que eu me emocionasse por estar, pela primeira vez, do lado de lá da cortina de ferro.

Havíamos decidido, desde que soubemos da visita dos pais da Flávia, contratar um pacote turístico junto a uma companhia finlandesa. Todos alertavam para o fato de que São Petersbugo não era Helsinque – ou seja, o conhecimento da língua inglesa não era tão difundido, e a cidade não era exatamente o paraíso da segurança mundial. Assim, ao chegarmos à São Petersbugo, nossa guia, Tatjana, uma russa muito educada, com inglês (e francês, e italiano, e um pouco de espanhol, e um pouco de alemão...) fluentes já nos aguardava na plataforma da Finlyandskiy vokzal, ou seja, da estação de trem que recebe os trens vindos da Finlânia e da qual eles partem de volta.

Além de nós quatro, outros dois simpaticíssimos casais australianos se juntaram à nós na excursão. Na saída da Estação, aquela inconfundível e nada saudosa sensação de Terceiro Mundo: um caos de gente pelas calçadas, camelôs, gente querendo abordar os turistas, carros lutando entre si... São Petersbugo está muito mais para Rio de Janeiro do que para Helsinque...

Entramos, não sei exatamente bem como, sãos e salvos em nossa van, e seguimos para nosso primeiro destino. No caminho, pudemos ter uma primeira noção da cidade, e o que posso dizer é o seguinte: grandiosa, grandiosa, grandiosa. Absolutamente de tirar o fôlego, e creio que era essa a ideia do Czar Pedro, o Grande, quando a fundou em 1703. Há um certo ar de decadência em algumas áreas da cidade, mas, mesmo assim, os prédios, palácios e catedrais que se espalham às margens do Neva são belíssimos, imensos, impressionantes. Nosso traslado serviu, igualmente, para percebermos que, se já somos analfabetos na Finlândia, as placas em cirílico só agravam a sensação.  

A primeira parada foi para o almoço, em um restaurante chamado – ora, vejam, que criativo – São Petersburgo. O local era requintado, cheio de espelhos e vitrais, e aconchegante. O que não ornava, nem um pouco, era a trilha sonora de disco music setentista. Fiquei com a impressão, por aquele e por outros cenários da cidade, de que os russos não tiveram acesso a música ruim do chamado “Ocidente” quando era a hora, e agora estão recuperando o tempo perdido. Pelo que lemos nos guias, há show de música folclórica russa todos dos dias, exceto aos domingos, às 21h – deve ser para pagar os pecados do disco inferno.


Durante a refeição, a Flávia se apaixonou pelo visual da sopa que foi servida como entrada: ela vinha dentro de uma cumbuca de barro, coberta por uma massa de pão. A sopa, em si, era de repolho azedo, que a Flávia quer me convencer que era boa. Quando começava a crescer meu medo do prato principal ser à base de frutos do mar, um Frango à Kiev (mas peraí, Kiev não é na Ucrânia???) foi servido para alimentar a turma. Tortinha de frutas vermelhas como sobremesa, e lá fomos nós conhecer a Fortaleza de São Pedro e São Paulo.

(continua)