sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

I’m [not] dreaming of a white Christmas…



… because I don’t need to1. É só olhar pela janela, e ele está lá.

É, de longe, o Natal com mais cara dos natais dos filmes que vamos passar na vida. Afinal, a Finlândia é a terra do Joulupukki, do Pai Natal – embora, mesmo aqui, ele já tenha adotado o visual coca-cola pós-Thomas Nast2 pelo qual o conhecemos. Já que estamos longe de nossas famílias, pensamos até em ir à Lapônia e passar a data por lá. Descobrimos, entretanto, que os hoteis lotam com meses e meses de antecedência. Bruno Leite, caríssimo, cadê a crise? Ano que vem a gente se organiza melhor e escreve um post com uma entrevista exclusiva com as renas e os duendes. E poderemos revelar se a lapdance foi criada lá, ou se as crianças sentam no colo do bom velhinho devido à origem geográfica.

Tendo nascido no Brasil, morado 8 anos nos EUA e agora vivendo na Finlândia, a Flávia se tornou uma espécie de antena antropológica, e comentou sobre as diferentes tradições que vão se moldando de acordo com a cultura local (mas, espera aí, as tradições moldam a cultura ou a cultura molda as tradições?  Mestres e doutores, me socorram…):

No Brasil, o Natal tem, em grande medida, um cunho mais religioso, e os simbolismos ligados a ele proliferam. As árvores são montadas um mês antes do Natal, e existe um dia específico – o Dia de Reis, Twelfth Night – para retirar todos os enfeites. Embora passem o ano com o discurso de preocupação ecológica na ponta da língua, quando chega o final do ano, os brasileiros enchem as casas, as ruas, as árvores e a paciência de luzinhas piscando. Há cânticos, e, ao menos em Brasília, a Serenata de Natal é aguardada com ansiedade.  Isso sem falar no show do Roberto Carlos. Na noite de 24 de dezembro, as famílias se reúnem e compartilham uma farta ceia regada a peru, rabanadas e outras gostosuras. Trocam-se presentes, e, aguarda-se ansioso pelo almoço do dia seguinte, invarialmente baseado no soburô da noite anterior.

O Natal para os norte-americanos aparece meio como uma festa secundária, já que  “a” celebração deles é o Dia de Ação de Graças (Thanksgiving), na quarta quinta-feira de novembro. A loucura comercial – com Black Fridays e Ciber Mondays – já passou. Restaurantes e lojas, que fecham no Thanksgiving, abrem no Natal. Claro que a competitividade permanece: quem efeita a casa com mais luzes, quem compra mais presentes para os filhos, quem tem a árvore mais alta… Quando vemos a neve falsa dos shopping centers brasileiros, a relação é imediata com a cara de Disney do Natal norte-americano. O dia de Natal transcorre como qualquer outro, e, após a ceia, bem parecida com a brasileira, todos vão dormir, mas não antes de deixar um copo de leite embaixo da àrvore, acompanhado de biscoitos de gengibre... a troca de presentes so acontece na manhã do dia 25 – isso quando o Calvin, o Garfield ou o Charlie Brown não acordam de madrugada, ansiosos para espiar o que o Papai… Noel deixou em sua meia ou embaixo da árvore.

Aqui na Finlandia, para começar, o cenário já está pronto. Quando o Natal é branco, como o deste ano, e a neve cobre casas e árvores, não tem como não se sentir envolto pelo clima da época. Talvez pela ligação com a figura do Papai Noel, e de olho nos turistas, é possível encontrar enfeites de Natal o ano todo, e há algumas lojas especializadas só nisso. O que não existe aqui, provavelmente por causa do luteranismo dominante, é presépio. Os finlandeses não são dados a  presepadas.

A tradição manda que se comemore em família, e se tome porridge (mingau de aveia altamente consumido pelo Harry Potter) com canela na manhã do dia 24. Após isso é que se costuma sair para comprar a àrvore de Natal, em geral um pinheiro recém-cortado, de verdade, fresquinho, e as crianças passam o dia enfeitando-o com materiais orgânicos, como anjinhos de palha de trigo, bolas de sisal e estrelas de papel recortado. Aquelas bolas brilhantes, pintadas de várias cores, que caíam e geravam intermináveis estilhaços na infância não são comuns.

Ao anoitecer – bom, 15h30, né? - os parapeitos das janelas são enfeitados com velas, deixando a cidade linda e bruxuleante. As pessoas vão aos cemitérios, para lembrar aqueles que nao podem estar presentes nesse Natal. No comeco da noite, a tradicional ceia de Natal inclui presunto de porco, carne assada, batatas, e peixes defumados. Para a sobremesa, tortas de frutas vermelhas assadas em casa ou torta de ruibarbo. Após a ceia, como acontece em muitas casas no Brasil, um cristão-que-vai-direto-pro-ceu se fantasia de Papai Noel e entrega presentes.

Às vezes reclamamos da trabalheira de se fazer uma ceia, do viés comercial dado a esta e a todas as outras datas, e de uma certa “obrigação” de se entrar em um espírito natalino às vezes meio forçado. Quem estuda mais um pouquinho ainda resmunga sobre a escolha do 25 de dezembro, e sobre sua estranha proximidade com o solstício de inverno e os antigos festivais pagãos.

Mas hoje, no fim das contas, vamos passar nós dois. E o tender. E os fios de ovos e cerejas marasquino. Então deixamos todos os outros humores um pouquinho de lado e decidimos escrever a quatro mãos este texto, para celebrar a saudade das nossas famílias e amigos, com ou sem religião envolvida.

Hyvää joulua!


1 – Nota do tradutor: “Eu [não] sonho com um Natal branco… porque eu não preciso”. *
      * - Nota do editor, que é o tradutor, e o revisor: para os que não passaram os últimos 60 Natais neste planeta, trata-se de referência aos primeiros versos da popular canção “White Christmas”, de Irving Berlin, imortalizada na voz de Bing Crosby.

2- Thomas Nast (1840-1902), cartunista germano-estadunidense, criador do visual moderno do Papai Noel, além do burro democrata e do elefante republicano. Os símbolos dos Partidos, digo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O frio que veio para o casal



A pergunta mais frequente que eu e Flávia ouvimos desde que chegamos aqui, quando conversamos com amigos e familiares no Brasil, é “e o frio?”. É como se o grande desafio a ser vencido aqui fosse a diferença climática, e corrêssemos o risco de um dia acabarmos congelados tal qual Capitão América, esperando que os Vingadores nos descobrissem anos depois.

Confesso que, antes de vir para cá, antecipava com algum receio a possibilidade de viver doente, gripado, ou desanimado – preso em casa, observando impotente pela janela, enquanto toneladas de neve caíssem e eu fosse obrigado a atualizar a literatura e os filmes em DVD durante cinco meses (hei, isso nem seria tão ruim...). Essa fantasia fatalista não poderia estar mais longe da verdade.

Quando morei em Londres, nos idos de 2001, passei um semestre completamente livre de gripes, sinusites, tosses e outros sintomas candangos. Mas eram outros tempos, e o frio a que fui exposto lá não descia de zero grau. Na Escócia cheguei a sentir o que eram -2 oC ou - 3oC – o que não chega nem perto da temperatura finlandesa, quando resolve esfriar.

Nosso recorde, aqui, até o momento, foi de -20 oC. Isso, uns quarenta e cinco ou cinquenta Celsius abaixo do que estou acostumado em Brasília. E, quer saber?  A saúde está absolutamente firme, o que me prova que ou eu me dou muito mal com o calor, ou tenho alergia a minha cidade natal – o que muito me entristeceria.

Outra coisa que eu já sabia desde Londres, e que está sendo reforçada aqui: a gente se acostuma. Recordo uma cena, lá por março ou abril de 2001, em que eu estava na cantina da escola onde estudava. Embora vestisse apenas jeans-e-camiseta, sentia um calor absurdo, daqueles de transpirar. Imaginava que uma onda de calor havia se abatido sobre a Inglaterra... deveriam ser 30oC ou 35oC, no mínimo... Até que o locutor de uma rádio que tocava por lá anuciou “tempo bom em Londres, 16oC...”. Dezesseis graus haviam se tornado um “calor absurdo”...

O frio é uma variável altamente controlável, e mais administrável que o calor. Dentro de casa, a calefação permite que você fique até nu, se quiser. E com o casaco adequado, e as botas apropriadas (e luvas, e gorros, e cachecois, e ceroulas térmicas super tecnológicas), o nível de agressão a que se é submetido é mínimo.

É claro que há toda uma... burocracia gerada pelo frio. Por exemplo: em todos os locais em que vamos – restaurantes, museus, escritórios - e mesmo na nossa própria casa, o primeiro objeto que se busca – e em geral se acha – é um cabide. Entrar e sair de ambientes gera um veste-e-tira de várias camadas de roupa. Na hora de ir ao banheiro, isso pode ser um pouco... desesperador. Além disso, acaba-se por ter um sapato – ou bota – específico para caminhar nas ruas, cheias de neve, e outro para ficar no trabalho. O par fica lá, esperando você chegar, e trocar do seu battle suit para as roupas civis.

Ainda no quesito roupas, a Flávia identificou que o frio faz com que as pessoas pareçam mais elegantes. Sobretudos, botas, luvas... em tecidos e cortes mais nobres e sóbrios, fazem bem à estética. No meu caso, tive uma epifania relacionada aos patos. Quando chegamos, o prato servido no jantar oferecido pelo Embaixador foi pato, como já contamos por aqui. Agora, todos os dias, as penas de pato que recheiam minha parca sueca me mantêm quentinho. O pato é a cura de todos os males.

Outro alerta que recebemos desde antes de nos mudarmos para cá foi quanto à escuridão. Quem já teve a experiência de invernos passados na Finlândia nos dizia que o frio não era o problema, mas a falta de sol iria nos deprimir. Precisamente hoje chegamos ao dia mais escuro do ano: a alvorada se deu às 9h23, e o pôr-do-sol está previsto para às 15h13. São poucas horas de claridade, e, assim mesmo, em geral difusa pelas nuvens. A partir de amanhã, os dias voltam a crescer, lentamente.

Posso afirmar que não houve maiores alterações de ânimos por causa da falta de claridade. Senti um pouco de sono fora de hora, nos primeiros tempos, e só. De resto, o único impacto das trevas nórdicas foi o investimento, por conselho dos motoristas locais, em pequenos “reflectors” a serem pendurados nos casacos. Mas eles são bonitinhos, as pessoas aqui até fazem coleções.

A neve é um espetáculo à parte. Desde a descoberta de que o floco de neve tem de fato o formato de um asterisco, até a consciência de que neve não é necessariamente sinônimo de frio – ao contrário, em geral, quando neva, é prenúncio de que a temperatura subiu um pouco, após um tempo. E a Finlândia sabe nevar bastante (o texto é meu, e eu pessoalizo o verbo se eu quiser). As paisagens ficam lindas – claro, mais bonitas de serem aproveitadas de dentro de uma casa ou café bem quentinho – e as formações que o gelo desenha são um prazer para os olhos.

Por causa da neve, certos fenômenos sociais acabam acontecendo. Vocês não podem imaginar a quantidade de trabalhadores envolvidos em retirar o acúmulo de neve das ruas com tratores e pás, e outro dia vi dois sujeitos em cima de uma grua, varrendo o teto (!!!) dos prédios da rua ao lado.

Há, certamente, o lado... negro(?):  embaixo daquela neve fofinha e branquinha, com a qual você enche a mão e joga na esposa, esconde-se uma camada de gelo, absolutamente escorregadia. A medida que o dia vai passando, e a neve vai sendo retirada e/ou pisoteada, resta uma crosta meio marrom. Um passo descuidado e a chance de se conhecer o gosto do chão de Helsinque cresce. Para reduzir um pouco o drama das calçadas lisas, camadas de sal são jogadas sobre elas. Até agora, ainda bem, só ficamos nas patinadas, sem maiores cenas ridículas e perigosas.

E por falar em cenas esdrúxulas... A neve foi o último elemento que faltava em nossa indecisão sobre comprar um carro ou não. Até então, nós não víamos necessidade, uma vez que moramos em uma ótima localização, perto da Embaixada, e de tudo que precisamos em termos de mercados, diversões, etc. O transporte público, para o dia-a-dia, e um táxi eventual, dão conta tranquilamente das nossas necessidades. Agora, após testemunhar a luta diária dos motoristas para resgatar os veículos sonevados (a palavra não existe, mas se “soterrado” é referente a terra...). Isso sem mencionar que dirigir sobre esse tapete branco seria uma aventura absolutamente desnecessária. Tragam-me um snowmobile, talvez, e a gente conversa.

Claro que a bisneta de Tonho Funileiro, figura famosa de Frei Paulo, no interior de Sergipe, ficou feliz mesmo quando conheceu o glogg, bebida típica do inverno finlandês, e que parece MUITO com o nosso quentão de festa junina...

Em resumo, a vida por aqui não pára por causa do frio. Mas é bom lembrar que o inverno só começou oficialmente hoje... até agora era ensaio...   ;)


PS1:  Feliz Yule a todos!
PS2:  este post é dedicado ao meu colega diplomata Humberto, que adora casaquinhos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Vamos jogar chãobola?

Segunda-feira, 8 de novembro. O telefone sobre a mesa da minha sala na Embaixada toca. O identificador de chamadas mostra que a Ministra-Conselheira Mônica Nasser deseja falar comigo. Atendo. Sou convocado a ter com ela, e saio com a missão de acompanhar uma equipe do programa “50 por 1”, da TV Record, que iria, no dia seguinte, fazer uma reportagem sobre floorball. O quê, mesmo?

Internet, Google. “50 por 1”?  Nunca tinha visto, mas pareceu legal. O programa roda o Brasil e o mundo atrás de locais, experiências, atividades, costumes, hoteis, restaurantes, etc, fora do circuito turístico mais óbvio.

Não sou atleta, embora tenha praticado esgrima por um bom tempo, há uma década e vinte e cinco quilos atrás. Mas gosto e acompanho eventos esportivos. Sei o que é lacrosse, e recém me tornei entusiasta de curling, especialmente por causa das calças da seleção norueguesa. Mas floorball?  Hein?

Pergunto às colegas finlandesas de Embaixada. Floorball?  Uhmm...errr.. aaaahhh  salibandy, claro!  Piorou...

Internet, Wikipedia. Tem cara de quê, isso?  Regras básicas, principais seleções. Ah, vai haver o campeonato mundial de floorball em dezembro, e a Finlândia será a sede! Super!

No dia seguinte, estávamos no local e hora marcados - Arena Center Myllypuro, 5 da tarde -  eu e Lucas, fazendo a ligação entre a produção do programa e o pessoal da Suomen Salibandyliitto - Federação Finlandesa de Floorball. A Flávia também foi junto, gentilmente arrastada pelo marido. Fomos recebidos com toda atenção pelo diretor da área de comunicações, Markku Huoponen, com direito a café, lanchinho, vídeo demonstrativo, power point com estatísticas sobre o esporte.

Para explicar o tal floorball, nada melhor do que imaginar um cruzamento de hóquei com futebol de salão. É jogado com tacos e uma bola pequena, de plástico. Só que ninguém usa patins. Cinco jogadores, e mais um goleiro, para cada lado. Um jogo em altíssima velocidade. As raízes do esporte estão na Mineapolis do final da década de 1950, mas ficou mais parecido com o que é hoje ao longo dos anos 1970, na Suécia. Hoje em dia mais de 60 países praticam o esporte.

Nossos intrépidos Álvaro Garneiro e  José Antônio Ramalho co-apresentadores do programa, participaram de uma aula para a meninada, ministrada por ninguém menos que Janne Tähkä, uma espécie de Pelé do floorball na Finlândia. É claro que apanharam dos tacos, da bolinha e da correria, mas com certeza se divertiram e deixaram, em quem ficou de fora, a vontade de praticar. 

Aparentemente, o programa vai ao ar no segundo semestre de 2011.

Está pensando em aproveitar e se tornar cartola pioneiro no Brasil?  Já era!  Nós já estamos globalizados a esse ponto, a Associação Brasileira de Floorball já existe, e é membro provisório da IFF. Aliás, para difundir o esporte em Pindorama, não seria difícil. O material completo para dois times não chega a 500 euros, e as quadras de futsal já estão aí, prontas para receber os chãobolistas.

E não acabou ali... após esse contato inicial, o staff da Embaixada foi convidado a assistir à partida Finlândia x Rússia, na primeira fase do mundial. No quesito diplomacia, cumprimentei Matti Ahde, o Ricardo Teixeira - ao menos em termos de homologia de cargo – deles. E demos sorte aos anfitriões: não só venceram a partida por 14 x 2, como viriam a ganhar o mundial, e justamente contra os rivais suecos. 


                                                                          Hyvä, Suomi!

A promessa agora é que teremos uma aula inicial, para iniciantes absolutos. Start up lesson for dummies. Quero só ver eu desfilar meus elegantes três dígitos pelas quadras finlandesas...

Em tempo:
Federação Internacional de Floorball: http://www.floorball.org/

Associação Brasileira de Floorball
R. Albuquerque Lins, 1129, apto. 93
SP 01230-001, São Paulo, BRAZIL
Tel:: (+55 11) 3662 0561
E-mail: abrasfloorball @yahoo.com.br

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Winter Wonderland!



Sim, dá trabalho sair de casa, mas a beleza é impagável!

domingo, 10 de outubro de 2010

De Oslo na reciprocidade

Um dos princípios que regem as relações internacionais é o da reciprocidade. Academicismos à parte, o auditivamente incômodo verbo “reciprocar” significa fazer com o outro Estado o que ele faz com o seu, seja em privilégios ou restrições. Podiam chamar de “retribuir”, mas aí não teria cara de coisa oficial, jurídica, importante. O caso mais comum é dos vistos de entrada: com a exceção de casos muito pontuais, o Brasil isenta os cidadãos de países que fazem os mesmo com os cidadãos brasileiros. De tanto lidar com isso, acabamos incorporando essa atitude, mesmo na vida pessoal. Parece intuitivamente justo.

Entre as grandes vantagens de se morar na Europa está o fato de que, com pouco tempo disponível e a relativamente baixos custos, é possível conhecer outros países com certa facilidade. Ao contrário de Brasília – e do Brasil, quase como um todo -, em que só pra chegar ali em Belo Horizonte já toma um certo tempo. Aqui, em 6 meses visitei 3 países – Estônia, Noruega e Rússia. A Flávia ainda conseguiu marcar a Suécia e a Dinamarca nos aplicativos do Facebook.

Tudo isso para dizer que recentemente começamos a reciprocar os agrados que nos foram oferecidos até então. Juntamos, assim, os princípios arraigados com a praticidade e fomos até Oslo, passar o fim de semana com a Carol, amicíssima desde outras épocas e outros videokes. Como os assíduos leitores do blog já sabem, ela foi a segunda pessoa a nos visitar, junto com sua mãe, Mira, aqui em Helsinki. A primeira pessoa, meu primo Pedro, mora no Brasil, e vai demorar um pouco até eu poder devolver a visita – mais fácil ele aparecer por aqui de novo, não, primo?


Chegamos em uma sexta à noite, atrasados mais de uma hora por conta do vôo da Norwegian Airlines. Ao menos o aeroporto de Gardermoen, com suas paredes de vidro e pé direito altíssimo, fez-nos esquecer um pouco o cansaço. Não sei se estávamos particularmente sensíveis no dia, mas a primeira impressão foi a de que se trata de um dos aeroportos mais bonitos em que já estivemos. 
 
Estavam lá, firmes, fortes e empolgados, a Carol e o Mateus Zóqui, que eu conheço dos tempos do concurso para Oficial de Chancelaria por meio do qual eu entrei no MRE, nas idas épocas de 2004/5. Ele já está na Noruega há cerca de três anos, e foi extremamente gentil em ir nos buscar de carro, em um aeroporto a 35 km da cidade, e em plena sexta-feira chuvosa. Em breve, será ele que reciprocará nossa visita, e esperamos oferecer o mesmo tratamento VIP que ele providenciou.

Foram dois dias e meio de novidades e diversão. Passeamos na Karl Johansen Gate, uma daquela ruas de tráfego exclusivo para pedestres, cheia de lojinhas, bares e etc. Passamos em frente ao Stortinget, o parlamento norueguês, e esticamos até a prefeitura (Radhus), prédio com uma arquitetura peculiar, em grandes caixotões, e com um saguão de entrada repleto de pinturas que, suponho eu, retrate eventos importantes da história da cidade. Foi nesse momento em que encontramos a Miriam, colega diplomata que também já visitara Helsinki, e almoçamos juntos. Ainda deu tempo, naquela tarde, de visitar o prédio da Ópera de Oslo, que, digo sem medo de errar, se ficasse ao longo do Eixo Monumental, em Brasíia, ninguém iria estranhar. Embora a construção tenha sido completada apenas em 2007, o espírito de Niemeyer vivo deve ter incorporado no tal do Tarald Lundevall, arquiteto do lugar. Rampas, mármore, vidro.... para ser um monumento de Brasília, só faltava o povo chegar atrasado nos espetáculos apresentados.

No domingo, fizemos um “tour” de museus, em Bygdøy, península a oeste de Oslo: primeiro, fomos ao Museu dos Barcos Viking, onde pudemos ver os restos do Oseberg, do Gokstad e do Tuna, todos barcos cerimoniais vinkings (“viquingues " é dureza, me perdoem) encontrados enterrados na Noruega, e datados do século IX. Além dos próprios barcos, vários objetos de época e três esqueletos humanos encontrados fazem do museu um dos mais ricos em artefatos vikings. Os amigos errepegistas (que espetáculo de neologismo!) e os que organizam as festas medievais em Brasília todos gritaram “homem do Norte!” nos ouvidos da minha alma naquele momento. 

Em seguida, fomos ao Museu Fram, que conta um pouco da história das expedições polares.  “Fram" é o nome do navio de madeira, construído na última década do século XIX que, diz-se, navegou mais para o Norte e mais para o Sul do planeta. Absolutamente sensacional acompanhar a coragem – ou loucura, ou ambos – daqueles sujeitos que tinham o comichão de explorar os confins gelados da Terra. Eu não conhecia muito sobre a história de homens como Fridtjof Nansen, Otto Sverdrup e Roald Amundsen. Após a visita ao museu, fiquei me perguntando como Hollywood não aproveita para adaptar para o cinema com mais frequencia aquelas aventuras reais – sobre o tema, há o "Scott of the Antarctic", só que centrado na vida de Robert Falcon Scott, inglês que “perdeu” para o Amundsen a corrida pelo Pólo Sul. Amundsen e Scott dão, hoje, nome a uma estação de pesquisa científica norte-americana no alto platô antárctico. Um abraço aos amigos navegadores, profissionais ou não... Alexei, Bruno, Dani Deiro... bring me horizon!

Almoçamos em um italiano chamado Olivia, com direito a participar – ortogonalmente - da Maratona de Oslo. À tarde, a Carol nos levou para conhecer o famoso Parque Vigeland, que leva esse nome em homenagem a Gustav Vigeland, escultor norueguês da primeira metade do século XX. O Parque tem mais de 200 esculturas em bronze que retratam a condição humana. A expressividade das estátuas é de tirar o fôlego... um crescendo de sensibilidade e, em alguns casos, erotismo, vai ficando mais intenso até que se chega à masterpiece do artista, o Monolito, um obelisco de granito, com quase 50 metros de altura, em que se entrelaçam homens, mulheres e crianças, de diversas idades e com diversas atitudes, e representaria, segundo o material promocional do Parque, “a ânsia e o desejo humano pelo espiritual e pelo divino”. Como todo obelisco também é associado à simbologia fálica, deixo para vocês interpretarem.


Antes de nosso passeio na Noruega acabar, passamos na casa da Miriam, para oficializar a reciprocidade, e torná-la mais completa. De brinde, ganhamos uma das vistas mais bonitas de Oslo, direto de seu sótão cheio de estilo, como ela mesma o é. O domingo terminou com uma quase tradicional pizza, junto com a própria Miriam, o Mateus e a Carol. Boa pizza e bons amigos – quem pode pedir mais do que isso?

Embora seja menor em área e população do que Helsinki, Kristiania, ou, melhor, Oslo, deixou a sensação de ser uma cidade mais... animada, talvez. Além disso, parece ser... elegante, talvez. Por outro lado, a cidade é, pelo menos, uns 30% mais cara do que Helsinki. No pouco tempo que passamos, vimos mais regiões com movimento e atrações. As pessoas pareceram mais abertas, mais sorridentes, e, em várias lojas e restaurantes, faziam questão de perguntar de onde Flávia e eu éramos, sempre de uma forma simpática.

Creio, entretanto, que essa sensação possa vir do efeito  “novidade + grama do vizinho”. Enquanto avalio e comparo as cidades me pergunto... será que elas também avaliam seus visitantes?  “Aquele ali não entendeu nada da minha alma...”;  “uhmmm esse casal só conheceu meio bairro e acha que pode dar palpite...”; “adorei esse aqui, fugiu dos tourist traps e me entendeu na primeira olhadela...”. 

Será que as cidades reciprocam?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Outono chegou!


A outra pessoa que participa desse blog, com suas fotos incríveis (kkkk), resolveu que iria falar um pouquinho sobre suas percepções dessa terra maravilhosa que é a Finlândia.

O outono chegou oficialmente no calendário dia 23 de setembro, e, com ele, a transformação da natureza e das pessoas. As árvores já começaram a ficar com suas folhas em tons que vão do amarelo ouro ao vinho, as pessoas se vestem em camadas e cachecois, luvas, casacos, qualquer coisa que aqueça é peça essencial no guarda roupa.

 Fim de semana passada fomos finalmente conhecer Oslo e reencontrar amigos que vivem por lá (falaremos em detalhes em outro post), saímos de Helsinki dia 24 com a temperatura na média dos 14 graus, e voltamos três dias depois para uma Helsinki mais fria, mas não menos bonita. Hoje pela manhã estava 4 graus, com sensação térmica de 1 grau... É, caros amigos, o outono chegou para ficar e se agasalhar.
PS: em breve a continuação dos post sobre São Petersburgo, e outros que estamos devendo...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Tende Pietari de nós – Parte 2

Na saída do restaurante, tivemos a oportunidade de ver e tirar fotos da igreja que tem o nome mais sensacional no planeta: Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado. A catedral, com suas abóbodas de cebola (não ri não, o nome é esse mesmo) coloridas e uma profusão de detalhes típica das ortodoxas russas, ganhou esse simpático nome graças ao fato de que, em 1881, o Czar Alexandre II foi assassinado pela Narodnaya Volya (Vontade do Povo), grupo  terrorista que lutava pela convocação de uma Assembleia Constituinte, sufrágio universal, liberdade de opinião e imprensa, propriedade da terra, reformas socialistas e essas outras coisas que pobre gosta. Alexandre III, sucessor do assassinado, resolveu construir, no local do crime, a tal Igreja.


Essas e outras informações, trazidas, pela Tatjana com um fôlego digno de guia mirim do Nordeste, nos fizeram pensar em como a história da Rússia é violenta. Por exemplo, o Czar Paulo I mandou construir o Castelo de São Miguel (ou Mikhailovsky zamok) cercado por canais fluviais, e cheio de pontes levadiças, cercas vivas e passagens secretas, tamanho era seu temor de ser assassinado. Resultado: após apenas 40 dias de residência no castelo, foi vítima de uma conspiração militar. Isso sem falar no caprichado assassinato do Rasputin, conselheiro místico dos Romanov, e dos 27 milhões de soviéticos mortos durante a 2a Guerra.

Por falar em Rasputin, nosso motorista era o Vladmir, sósia do Monge Louco, e trombonista profissional que ganha uns trocados a mais no mercado do turismo enquanto a orquestra está em recesso de verão. Ao chegamos na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, minha febre já tinha voltado, e eu contava os minutos para descansar no hotel. Mas ainda dava tempo de aprender que a Fortaleza foi o marco inicial da cidade, construída no início do século XVIII para resistir a eventuais ataques suecos durante a Grande Guerra do Norte. Para variar, mais histórias de sangue: centenas de trabalhadores morreram durante sua construção e, posteriormente, o local foi palco de tortura e reclusão de prisioneiros políticos. Uma graça.

Na Catedral de São Pedro e São Paulo, pudemos ver os túmulos de diversos czares russos (aliás, de todos, exceto Pedro II e Ivan VI), bem como dos Romanov assassinados pelos bolcheviques. Aliás, mais um conto de sabedoria: depois de conduzidos a uma sala da casa do Engenheiro Nikolay Ipatiev, onde eram mantidos prisioneiros, Nicolau, sua família, o médico pessoal e mais uns servos que não tinham nada a ver com a história foram fuzilados pelos soldados. A sabedoria, no caso, está no fato de que o Czar foi o primeiro a morrer, enquanto sua esposa e filhas demoraram um pouco mais, e precisaram de uma ajuda das baionetas, porque usavam muitos diamantes e outras pedras preciosas costuradas em seus vestidos. Diamonds are a girl’s best friend.


Antes de irmos para o hotel, fomos levados a uma pequena sala da Catedral, onde um grupo vocal russo entoou cânticos religiosos, eu acho. Vou contar a vocês... eu, que já ouvi muita música vocal na vida, fiquei com a sensação que aquele baixo profundo que segurava os harmônicos do grupo desfez várias pedras nos rins da audiência. Na saída, Tatjana nos contou ainda que, até a década de 1960, a agulha da Catedral de São Pedro e São Paulo, coroada por um anjo, era o ponto mais alto de São Petersburgo. Soubemos, igualmente, que, durante a II Guerra Mundial, as abóbadas foram pintadas (coitado do estagiário...) de cinza para dificultar os bombardeios.

Chegamos ao Hotel Dostoevsky só a tempo de eu apagar de gripe. A partir de agora, o relato é baseado em comentários da Flávia. Uma vez constatada minha completa incapacidade de sair para jantar, a heroica esposa buscou pelo serviço de quarto. A curiosidade é que nesse hotel, para ter acesso ao cardápio, é preciso pedi-lo por telefone. Antevendo demora e dificuldades, ela se aproveitou do fato do hotel ser encravado em um shopping centre, e conseguiu comprar, entre visitas a um mercado e a um café, um sanduíche, biscoitos e chá quente. É claro que isso tudo foi feito com a linguagem da mímica e do profunda proximidade – nenhuma – entre o português e o russo. Segundo ela, o máximo que conseguiu foi encontrar alguém que balbuciava inglês.

Tendo deixado provisões para o moribundo, Flávia e seus pais saíram para jantar. Optaram pela segurança de um restaurante italiano, o Palermo. O primeiro estranhamento foi a ausência de um taxímetro no táxi. Aprenda, camarada, que, em São Petersburgo o preço das corridas é combinado antes. A maioria dos trechos que fizemos ficaram entre 16 e 22 dólares. No Palermo, ao contrário da experiência do shopping, a Flávia encontrou um garçom simpático e fluente em inglês, e a comida justificou, segundo ela, a escolha.


Após o jantar, os três doidos resolveram que, já que não estavam muito longe, voltariam andando para o hotel – apesar de todos os alertas feitos por guias, motoristas, camareiros, balconistas e etc sobre a falta de segurança da cidade. Mais Brasil do que Finlândia, como eu disse. Logo na saída do restaurante, um senhor com uma farda aparentemente policial cruza com o grupo e fala algo – em russo, claro. Na minha opinião ele estava querendo comprar a Flávia, mas, como não recebeu muita atenção, ele entrou em um carro próximo e foi embora. Houve, entretanto, pelo que se conta, um certo momento de tensão até que a cena tivesse seu desfecho.

 Depois da quantidade de sangue que já espirrou deste post, é bom contar que a turma chegou são e salva no hotel, não sem antes ter registrado um dos ícones da vitória da guerra fria, o McDonald’s em solo russo. Ou vocês não se lembram das filas quilométricas quando o primeiro abriu em Moscou, em 1990?

A esposa afirma até hoje que, durante o jantar, tomou apenas meia taça de chianti. Eu tenho lá minhas dúvidas... ao chegar ao hotel, e me encontrar um pouquinho melhor, ela ligou a TV e assistiu a um bom pedaço do Senhor do Aneis em russo... e achando bom! Segundo ela, a língua combina, deixa o filme mais soturno...  Ah, стоп, Flávia!

(continua)

domingo, 12 de setembro de 2010

Tende Pietari de nós – Parte 1

As visitas à Finlândia continuaram, o que nos fez ficar muito felizes pelo fato de termos amigos e familiares queridos, que não nos esquecem. Para outros – principalmente aqueles que cobram novos posts, lêem o blog, mas não comentam, – a gente faz um voodoo bem legal.

Recebemos Sarah e Renato, dois grandes amigos (“amigo”, sinceramente, descreve pouco o que os dois são para mim). As aventuras deles por aqui eu comento em outra oportunidade. Em seguida, recebemos Cacilda e Messias, também conhecidos como os pais da Flávia, ou meus sogros. Eles passaram três semanas, mais ou menos, com a gente.

Logo após chegarem a Helsinque, eles e Flávia seguiram para viagens escandinavas. Conheceram Estocolmo e Copenhague. Fizeram uma rápida parada em Helsinque e passaram um dia em Tallinn. Sobre essas viagens, cobrem a co-autora do blog, que não se dignou a colocar uma foto ou comentário online.

Depois de matar a saudade da esposa – esse negócio de ficar longe dela definitivamente não é bom – viajamos os quatro para São Petersburgo – ou Pietari, como dizem os finlandeses -, no dia 3 de setembro. Pegamos o trem “Sibelius” na sexta-feira, logo cedo, e partimos em direção à mother Russia. Eu estava preocupado em conseguir efetivamente aproveitar a viagem – ou, ao menos não atrapalhar muito a dos meus companheiros: uma forte gripe havia me deixado de cama antes da viagem, e eu ainda não havia me recuperado totalmente.

São cinco horas, mais ou menos, de trem até lá. A viagem, em si, não demoraria tanto, não fossem todos os procedimentos de alfândega e imigração. Para os brasileiros, independente do tipo de passaporte, a coisa toda ficou mais fácil, já que, desde meados de 2010, entrou em vigor o Acordo entre o Brasil e a Rússia para a Isenção de Vistos de Curta Duração. Na dúvida e por segurança, levamos uma cópia do Acordo, em russo, no bolso. Entre os Governos decidirem algo e o guardinha de fronteira ficar sabendo e incorporar no dia a dia, às vezes pode levar algum tempo...  No caso da nossa viagem, tanto as autoridades russas quanto finlandesas aparentemente já estavam notificadas, e não houve qualquer problema para atravessarmos a fronteira. 


Viajar em paz, entretanto, está se tornando uma utopia... embora o trem fosse confortável, com cadeiras reclináveis, vagão restaurante bem razoável e companhia muito bem vinda, é difícil ter um mínimo de sossego – ainda mais quando se quer descansar durante o trajeto - quando os pais não controlam suas crianças. No caso do vagão que ocupamos, não bastasse ter duas crianças chorando e urrando boa parte da viagem,  os pais ainda achavam graça quando ela iam perturbar os outros passageiros. Nada contra os piás, que estão fazendo a parte deles...  pais mal educados e despreparados é que são o problema.

Você acha uma gracinha seu filho querer quebrar o recorde de decibeis alcançado por um ser humano?  Vou contar uma novidade para você: não, não é legal. Você acha que a criança deve explorar o mundo e conhecê-lo?  Concordo plenamente, mas não a custa do sossego alheio. Há lugar para tudo, zezinho, inclusive pro seu pestinha aprender a conviver em espaços comuns. Depois, cresce e vira adulto sem noção de coletividade, e você ainda vai achar ruim.

Após uns 40 minutos parados na imigração, para que os passaportes fossem recolhidos, verificados e devolvidos, entramos em território russo. Em termos de paisagem natural, não há grandes mudanças em relação à Finlândia – corredores intermináveis de coníferas se erguem ao lado do trem. Notamos, entretanto, alguns sinais de menor conservação e organização nas construções que vimos.


Devo confessar que não tinha qualquer expectativa especial sobre a cidade. O desejo de conhecer a ex-capital da Rússia foi manifestado pelo Messias, e eu tinha mais interesse em aproveitar o tempo com eles do que propriamente uma curiosidade intrínseca naquele passeio específico. Claro que a faceta de historiador acabou desperta, e todos os filmes sobre espionagem na época da Guerra Fria fizeram com que eu me emocionasse por estar, pela primeira vez, do lado de lá da cortina de ferro.

Havíamos decidido, desde que soubemos da visita dos pais da Flávia, contratar um pacote turístico junto a uma companhia finlandesa. Todos alertavam para o fato de que São Petersbugo não era Helsinque – ou seja, o conhecimento da língua inglesa não era tão difundido, e a cidade não era exatamente o paraíso da segurança mundial. Assim, ao chegarmos à São Petersbugo, nossa guia, Tatjana, uma russa muito educada, com inglês (e francês, e italiano, e um pouco de espanhol, e um pouco de alemão...) fluentes já nos aguardava na plataforma da Finlyandskiy vokzal, ou seja, da estação de trem que recebe os trens vindos da Finlânia e da qual eles partem de volta.

Além de nós quatro, outros dois simpaticíssimos casais australianos se juntaram à nós na excursão. Na saída da Estação, aquela inconfundível e nada saudosa sensação de Terceiro Mundo: um caos de gente pelas calçadas, camelôs, gente querendo abordar os turistas, carros lutando entre si... São Petersbugo está muito mais para Rio de Janeiro do que para Helsinque...

Entramos, não sei exatamente bem como, sãos e salvos em nossa van, e seguimos para nosso primeiro destino. No caminho, pudemos ter uma primeira noção da cidade, e o que posso dizer é o seguinte: grandiosa, grandiosa, grandiosa. Absolutamente de tirar o fôlego, e creio que era essa a ideia do Czar Pedro, o Grande, quando a fundou em 1703. Há um certo ar de decadência em algumas áreas da cidade, mas, mesmo assim, os prédios, palácios e catedrais que se espalham às margens do Neva são belíssimos, imensos, impressionantes. Nosso traslado serviu, igualmente, para percebermos que, se já somos analfabetos na Finlândia, as placas em cirílico só agravam a sensação.  

A primeira parada foi para o almoço, em um restaurante chamado – ora, vejam, que criativo – São Petersburgo. O local era requintado, cheio de espelhos e vitrais, e aconchegante. O que não ornava, nem um pouco, era a trilha sonora de disco music setentista. Fiquei com a impressão, por aquele e por outros cenários da cidade, de que os russos não tiveram acesso a música ruim do chamado “Ocidente” quando era a hora, e agora estão recuperando o tempo perdido. Pelo que lemos nos guias, há show de música folclórica russa todos dos dias, exceto aos domingos, às 21h – deve ser para pagar os pecados do disco inferno.


Durante a refeição, a Flávia se apaixonou pelo visual da sopa que foi servida como entrada: ela vinha dentro de uma cumbuca de barro, coberta por uma massa de pão. A sopa, em si, era de repolho azedo, que a Flávia quer me convencer que era boa. Quando começava a crescer meu medo do prato principal ser à base de frutos do mar, um Frango à Kiev (mas peraí, Kiev não é na Ucrânia???) foi servido para alimentar a turma. Tortinha de frutas vermelhas como sobremesa, e lá fomos nós conhecer a Fortaleza de São Pedro e São Paulo.

(continua)

sábado, 21 de agosto de 2010

Eterno

 Todos os dias, quando atravesso duas das cinco ruas que se encontram em Viiskulma, para ir pegar o bonde para o trabalho, sinto-me um pouco alienígena. A farda diplomática clássica – terno sóbrio,  gravata discreta -, absolutamente inadequada para o clima dos trópicos, também parece fora de lugar em um país em que a informalidade das vestimentas é o padrão.

Não bastassem as feições de terrorista afegão, que me identificam automaticamente como estrangeiro, em meio aos escandinavos cabelos brancos, o uso do terno atrai a atenção de quem passa. E não se trata do olhar feminino de interesse – “nossa, como ele está elegante” ou o “adoro homem de terno” da falsa mitologia. É mais um ar de estranhamento, de distância. Quando decido utilizar colete por baixo do terno, a máquina do tempo apronta-se de uma vez.  

Hoje, ao menos, ocorreu uma semi-exceção. Ao entrar no bonde, sentei-me de frente a um senhor bem idoso, vestido irrepreensivelmente, desses que a gente não vê mais. Seu terno era preto, a gravata era de um cinza médio, cor de filme antigo, e os sapatos lustrados com zelo.  Eu vestia um terno grafite, com gravata em arlequins de azul marinho e prata. Mais moderno no corte e nas cores, mas tão estranho àquele ambiente quanto ele.

Como a chuva marcava o início do outono, ambos portávamos guarda-chuvas – não esses retráteis da modernidade, mas os mais antigos, longos, com cabo de madeira, e capazes de oferecer proteção com competência para seus donos – e, quem sabe, para uma donzela desatenta ao clima.

Sua indumentária era completada por um Fedora da mesma cor do terno, o que só me encheu de inveja positiva. É um dos meus mantras repetir que o mundo era um lugar melhor quando os homens usavam chapeu. Em Brasília, além de aumentar a sensação de calor, o uso do chapeu é quase motivo de chacota. Eu ando querendo comprar um chapeu-coco, e quem sabe esse encontro fortuito seja decisivo.

Entre nossas diferenças, além da idade, estava o fato de que ele tremia um pouco, de quando em quando, já com seus sintomas de velhice estabelecidos. Além disso, seus olhos pareciam bem mais vivos que os meus, talvez pelo acúmulo dos anos ter causado a ele menos cansaço. Como cavalheiros de outrora, trocamos olhares de cumprimento – e, por que não, de cumplicidade - na minha descida do bonde.

Éramos dois senhores bem vestidos. Eu, por obrigação profissional, e ele, especulo, por estar se dirigindo a algum local ou evento importante – embora, em plena quarta-feira pela manhã, batizados e casamentos estivessem excluídos. Quem sabe ele não estivesse indo visitar o túmulo de sua esposa, que, em outros tempos, assim como a minha faz hoje, o ajudava corrigir um último amarrotado no paletó antes de sair de casa, e tornar o sujeito ainda mais alinhado. Ou, talvez, os de outros amigos, que também usavam ternos pelos bondes da vida, menos deslocados do mundo ao seu redor.


terça-feira, 17 de agosto de 2010

Heavy Metal 3D

Antes mesmo de vir morar na Finlândia, eu já tinha noção de que se tratava de um país peculiar do ponto de vista musical. E eu não me refiro à música tradicional - sami - ou ao nacionalismo de Jean Sibelius, o Carlos Gomes deles. Eu estou falando é do bom e velho rock: tanto colegas esgrimistas quanto o pessoal da lista Gótico-DF já tinham me chamado a atenção para o fato de que, na Finlândia, a chamada “cena metal” é muito forte. 

Ainda no Brasil, tive a curiosidade de entrar no site da Stockmann, a grande loja de departamentos de Helsinque, e dar uma olhada na lista dos CDs mais vendidos. Em primeiro lugar estava uma cantora inglesa, a Sade, e, logo em segundo, vinha a banda finlandesa HIM - uma espécie de Roupa Nova deprê do metal, que eu já conhecia e gostava há vários anos. Naquele momento eu já tive uma noção de como seriam as coisas: quando é que eu ia ver uma banda de metal encabeçando as paradas das Lojas Americanas?  

Em um país de musicas engraçadinhas, Ivetes, Cláudias e, quando muito, Marisas, quem gosta de rock virou órfão há umas duas décadas. Eu tenho uma teoria seríssima de que os produtores de Rio e SP, membros da SS cultural brasileira, ao verem que a maioria das bandas boas de rock eram de Brasília, trataram de sabotar o ritmo ao longo dos 1990s. E eu não vou nem entrar no mérito da década de zero, para não ficar deprimido. 

Ao chegar por aqui, só pude reforçar a boa impressão. O tiozinho do ônibus da Ikea, do alto de seus 50 e tantos anos, ouve rock enquanto dirige; há bares de rock espalhados pela cidade - dentre os quais o PRKL, o Stage Bar e o On the Rocks; o Dante's Highlight tem um palco para shows de “bandinhas” maior do que qualquer outro que Brasília já tenha visto; e, para coroar a diversão, há um karaoke especializado em heavy metal e hard rock, chamado, apropriadamente, de heavy corner. Meus queridos amigos Zeca, Ed, Montana, Conatus e companhia ajoelhariam no chão, e chorariam dizendo “nós não mereceeeemos... ” 

Encontrar gente cabeluda, vestida de preto, cheia de brincos e tatuagens, aqui em Helsinque, não é coisa de nicho, de subsolo de Conic. E pode ter certeza que, ao entrar em qualquer loja que venda CDs e DVDs, haverá uma sessão enoooorme especializada em rock.  

Aliás, outro dia eu estava lendo em um jornal daqui que na Finlândia tudo vira rock:  se misturar amor com rock, vira o love metal do HIM; ópera com rock vira o Nightwish; música erudita com rock vira o Apocalyptica, e por aí vai. Até na hora de ganhar o  Eurovision - festival anual e super concorrido aqui na Europa - a Finlândia emplaca uma banda de rock, o Lordi. E, para os fãs de Guns n'Roses, recomendo uma procura por Hanoi Rocks, no You Tube, para vocês terem noção de que originalidade é uma coisa bem relativa. 

Interessado em assistir algumas dessas bandas de perto, eu tentei, recentemente,  ir ao Sonisphere, festival realizado em Pori, cidade na costa oeste da Finlândia. Infelizmente, embora houvesse ingressos disponíveis, não consegui, nem com a ajuda do caríssimo Lucas, encontrar um hotel por lá. E, para ficar na camping area, vocês vão me desculpar, mas já não tenho o humor necessário. É bom que se diga que eu escapei de boa... Exatamente no final de semana em que ocorreu o festival, uma tempestade vinda direto do inferno despejou-se sobre a Finlândia: tamanho foi o vento que, lá em Pori, partes dos palcos e pedaços das grades se soltaram e atingiram a multidão de headbangers, ferindo 40 pessoas e alegrando outros tantos, em um autêntico festival de heavy metal 3D !
  

domingo, 8 de agosto de 2010

Pensão em ação

Quando estávamos procurando apartamento para alugar em Helsinque, mantínhamos em mente a necessidade de encontrar um lugar que oferecesse espaço confortável para a acomodação dos hóspedes. O valor do auxílio pago pelo Itamaraty comportaria um local grande o suficiente, e, além disso, Flávia e eu gostamos de ter pessoas queridas por perto, e de recebê-los.

Como viemos morar na Europa, sabíamos que, cedo ou tarde, teríamos boas visitas, entre amigos e parentes. Ademais, depois de se tornar diplomata, você naturalmente passa a ter colegas em vários pontos do mundo, então fica bem mais fácil e comum esse intercâmbio de sofás e camas de hóspedes.

O pioneiro na ocupação das instalações do Pentágono (apelido de nosso pequeno esconderijo) foi o primo Pedro. As relações de parentesco em Minas Gerais merecem um pós-doutorado em antropologia, mas nesse caso era uma relação simples de segundo grau: Pedro é filho de uma prima da minha mãe. E, muito mais importante que isso, foi um daqueles casos de amizade fácil e instantânea: embora só tenhamos nos conhecido há poucos meses, e embora tenhamos uma diferença de idade que ultrapassa uma década, rapidamente nos enturmamos e viramos parceiros de longa data, ainda que de poucas datas.



Pedro chegou no dia 30 de junho e, logo em seguida, no dia 02 de julho, Carol e sua mãe, Mira, chegaram a tempo de ver o Brasil perder da Holanda na Copa do Mundo, com direito a previsão precisa da Maga Flávia. Ainda assim, foi um fim de semana divertido, e espero que todos tenham gostado da acolhida. Durante a estada de Mira e Carol, finalmente fizemos um sightseeing de Helsinki – só que não de ônibus, e sim de barco, para aproveitar o bom clima do verão e ter uma visão da península onde a capital finlandesa está situada, bem como de algumas das ilhas em torno dela, com destaque para o grupo de ilhas onde está situada a Fortaleza de Suomelinna. Quando formos de verdade explorá-la, eu conto mais detalhes.

 
Os próximos a usufruir dos bons préstimos de Flávia foram Pedro (outro pedro!) e Miriam, colegas diplomatas que passaram por aqui agora no início de agosto. Ela vinda de Oslo, ele de Bratislava. Neste caso, eles não ficaram hospedados aqui em casa (porque não quiseram, hein!), mas nos visitaram para saborear uma das especialidades da esposa, um quiche delicioso. Aproveitamos para tomar uma cerveja juntos no Perkele, barzinho de rock indicado pelo Lucas, e para falar bem e mal da vida.

Por falar em Lucas, merece menção especial o apoio que ele tem dado a praticamente todas as nossas iniciativas aqui em terras Suomi. Lucas é brasileiro, mora por aqui há uns quatro anos e trabalha na nossa Embaixada. E, sem ele, certamente a adaptação estaria sendo bem mais complicada – viva viva, salva de palmas, aquelas coisas todas, e muito obrigado. E pára de me chamar de Chefe.


 Na mesma semana – ou seja, esta durante a qual vos escrevo -, o Guilarducci Inn recebeu Andre e Bruno, mais dois colegas diplomatas, em tour pelos lados menos CVC da Europa. Quem quiser acompanhar a aventura dos dois, procure “Ondéquistão” no Google. Mais boas companhias, mais diversão. O melhor disso tudo é que na diplomacia existe um princípio básico chamado “reciprocidade”... portanto, Pedro, Miriam, Andre, Bruno, e etc, podem preparar os colchonetes...

Assim que terminar de escrever, lá vou eu ajudar a Flávia a preparar a casa para as próximas levas de visita. Esta semana chegam Renato e Sarah, e, na semana seguinte, meus sogros pousam por aqui para verificarem de pertinho que história é essa de levar a filha deles pro outro lado do oceano.

Na esfera das intenções declaradas, além da minha mãe, tenho o Professor Joanisval, Andre(a Doria) e esposa, e quem mais? As reservas estão abertas... E ganha bônus quem se aventurar a vir para um Natal branco, igualzinho a dos filmes, e bem congelado, conosco...

domingo, 1 de agosto de 2010

[Memorabilia] Missão cumprida, Tia Zizi!

Para os que não sabem, o “Ducci” que faz parte do endereço do blog, é uma corruptela de Guilarducci, meu sobrenome de família, e da Flávia por casamento. Como “Guilarducci” virou “Ducci” na minha adolescência é um caso para ser contato uma outra hora, e envolve um russo doido, uma violonista curitibana, um vendedor de sorvete, bandas de hard rock californianas e outros bichos do monstro-ário.

Meu tio Carlos Alberto, após anos trabalhando na Vale, aposentou-se e passou a se dedicar intensamente a dois de seus principais hobbies: fotografia e pesquisa sobre a genealogia da família. Dotado de uma inteligência invejável e um fôlego que eu já não tenho, o Tio Betinho tem levantado uma quantidade incomparável de dados di noi. Compilou informações muito interessantes, que já recuam até 1532, e que um dia vai se tornar livro e website. Espero que ele não se importe que eu dê algumas prévias por aqui.

O estudo mostra, por exemplo, que a grafia correta do nome é Ghilarducci. O nome derivaria da forma medieval “Gherardo”, uma latinização do germânico gar/ger (lança) e hard (forte). Não estaria descartada a forma Willhard (will + hard), que siginificaria uma família com uma grande força de vontade. O “ucci” seria uma terminação bastante comum na Toscana (ex: Bertolucci, cineasta e primo), região onde fica Cappanori, na Província de Lucca, origem geográfica da famiglia, e siginificaria “descentende de”. Pensando bem, vai ver é por isso que eu gosto do Liverpool, já que o capitão do time, Steven Gerrard, pode bem ser meu parente torto. Se fosse mineiro, era primo, com certeza.

Meu trisavô, Giovani Alessandro Ghilarducci, aportou no Rio de Janeiro em 18 de novembro de 1878, no Vapor Henri IV. Devido a misspelling nesse meu letrado Brasil imperial, ele virou Alexandre Guilarducci, grafia que herdei. Outros, Brasil afora, ficaram com “Guilarduce”, “Guilarduci” ou “Guilharducci”, mas somos todos, in the end, da mesma família.

Tudo isso para contar que, logo que chegamos a Helsinque, fomos convidados para jantar na Residência do Embaixador Armando Cardoso, no dia 9 de abril. Seria uma espécie de recepção de boas vindas ao novo Secretário e sua esposa. Algo mais íntimo: apenas o Embaixador e a Embaixatriz, a Ministra Mônica e o casal que, então, se acostumava com o frio.

Primeiro veio meu problema: eu nem gosto de, nem posso comer frutos do mar. Para que não houvesse maiores desconfortos, tivemos a ideia de, “sem querer”, deixar a Karoliina, secretária do Embaixador, ter acesso a esse pequeno detalhe. A seguir, veio do drama da roupa... jantar com um Embaixador, numa sexta à noite... qual o nível de formalidade?  Deveria usar terno? Para esse drama, o próprio Embaixador incumbiu-se de entrar na minha sala, na sexta pela manhã, e dizer: “Hoje lá em casa é informal, hein?!”.

Mais relaxado, me enfiei numa calça de veludo cotelê preta, com uma camisa social de mangas curtas branca e um suéter verde escuro, só para proteger as costas do frio. A Flávia optou por calças jeans, botas pretas de salto alto, e um suéter preto, de gola alta.Como nasceu para essas coisas muito mais do que eu, a Flávia teve a corretíssima ideia de comprar uma orquídea, para levar de lembrança para a Embaixatriz Dora.

A Residência se localiza nos últimos andares do próprio prédio da Embaixada, onde chegamos pontualmente. Entramos no elevador – pela primeira vez, já que nos outros dias bastava um lance de escada para que eu chegasse ao andar em que se localiza minha sala –, apertamos o botão correspondente ao terceiro andar e... nada. Apertamos novamente – nessa divertida mania humana de achar que insistência com a máquina adianta -, e obviamente nada de novo aconteceu. Para não atrasarmos, subimos de escada, e fomos recebidos gentilmente, e sem maiores cerimônias, pelo casal de anfitriões.

Em um misto de alívio e riso contido, percebemos que minha escolha de roupas tinha sido exatamente a mesma do Embaixador Armando, apenas com uma outra cor de suéter. A Ministra Mônica chegou ao mesmo tempo que nós, e a conversa seguiu tranquila. A única diferença identificável entre aquele encontro e uma reunião entre amigos era a presença de um garçom nos servindo à francesa – o indefectível Gupta, mordomo da Residência.

Tudo começou com uma champagne (uísque para o Embaixador), para celebrar a nossa chegada. Antes do jantar propriamente dito, risoles e empadas, todos muito gostosos. A Embaixatriz contou que já nos vira pela cidade, no cinema Maxim – que escolhemos para nosso primeiro filme, “A Single Man”, ainda no domingo de Páscoa [n.a.como contamos no post de 4 de abril]. Disse ela que viu aquele casal jovem, em um fim de semana de feriado, falando português, e deduziu automaticamente que seria o novo diplomata brasileiro com a esposa.

Após algum tempo de uma conversa simpática sem artificialismos, fomos convidados a nos dirigir para a sala de jantar. Como entrada, foi servida pera recheada com blue cheese, acompanhada de salada de alface americana e tomates picados. Como todos sabem, menos a Carol e o Goes, qualquer coisa com queijo é boa, e, naquela ocasião, a leveza do preparo e do ambiente fez tudo parecer mais especial ainda.

De repente, após ouvir os elogios à escolha do prato de entrada, a Embaixatriz comenta: “Ah, logo teremos um delicioso salmão...”. Antes que terminassem os meus três segundos de choque, ela começou a rir, apontou a brincadeira e agradeceu pelo aviso sobre minhas limitações gastronômicas. Sorri, meio sem graça, meio satisfeito.

Como prato principal, foi servido um confit de canard, acompanhado de arroz branco e batatas fritas em rodelas. Para quem não sabe o que diabo é isso, como era meu caso, trata-se de um prato típico da Gasconha, feito com a perna de um pato, cozida em sua própria gordura durante horas a fio. A explicação é cortesia do Dicionário Flávia de gastronomia e culinária.


Era a hora de um novo brinde, e, naquele momento, lembrei-me da missão que me foi dada por uma tia, a Tia Zizi: “Quando você estiver jantando com o Embaixador, na Finlândia, se preparando para representar o Brasil no exterior, lembre-se do seu Trisavô Alexandre, vindo para o Brasil, sem dinheiro e sem rumo certo. Mais um século depois, um descendente dele está de volta à Europa, em condições totalmente diferentes da que ele veio”.

Aquele brinde foi para ele, e para minha Tia Zizi, e para meu Tio Carlos Alberto, e para meu Tio Zé Carlos, e para minha mãe, e para e para todos os Guilarducci.

Toda a famiglia segurou aquela taça comigo, e faz parte desta conquista.

Ah, sim. Na descida, descobrimos que, nos elevadores da Embaixada, não basta apertar o número do andar. É preciso pressionar em seguida um “close door”, que estava bem na nossa frente o tempo todo.

Ser jacú é dose.


Post Scriptum
Dedicado aos parentes e amigos, presentes e ausentes. À minha mãe, que faz aniversário hoje (1o de agosto); à Marcinha Negreiros, que não é família de sangue, mas é mais do que isso (nossos pensamentos com você, moça!); e a meus colegas da Turma Celso Amorim/2007-2009, que completam 3 anos de sobrevivência na diplomacia.
Este texto inaugura a sessão “Memorabilia”, do blog, que contará sobre eventos e sentimentos que já ocorreram há algum tempo por aqui, e que, por um motivo ou por outro, acabaram não sendo divididos com vocês.