sexta-feira, 30 de setembro de 2011

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Como uma luva


Embora a astronomia me informe que o equinócio de outono ocorre no dia 23 de setembro, há algumas semanas seu fenótipo já está presente em Helsinque. O sol, como novos trabalhos de bandas boas, é raro, e o vento e a chuva substituem os brilhos diversos do verão, e a hera enroscada do lado de fora do escritório já passou de verde à vermelha.
Não é mais possível sair de casa sem colocar (pelo menos) um casaco, e os guarda-chuvas e cachecois saem do armário, algo alegremente. Outro acessório que, quase sem percebermos, começa a aparecer nos bolsos e bolsas, são as luvas. Durante mais da metade do ano, proteger as mãos do frio é estratégia mais do que recomendada na convivência saudável com as temperaturas em queda.
Calçar luvas traz sensações divertidas, como cócegas no hipotálamo. Luvas não são peças tradicionais do vestuário brasileiro – quiçá nos estados do Sul, ou em certas regiões de Minas ou São Paulo. Usei luvas – cirúrgicas – regularmente, quando cuidei do reparo de livros raros, em outra encarnação dentro desta. Mas esse tipo de luvas são as mesmas usadas pelos médicos, e, dependendo da especialidade, é melhor esquecê-las tanto quanto possível.
As memórias associadas às luvas têm de ver com a ficção. O famoso boxeador, na sensacional dublagem das intermináveis reprises, derrota seu adversário no último segundo. Um rápido corte de câmera, em filme de super heroi, na cena em que ele põe o uniforme e se prepara para o clímax da história. As luvas três quartos da ruiva em preto e branco (ou da personagem de animação, décadas depois, nela inspirada). E os tantos filmes de espiões, ladrões e assassinos que usam luvas, interessados em não deixar rastros de sua presença enquanto executam secretamente suas atividades.
E aí é que surge a graça boba da coisa. Quando chega o inverno, os casacos são mais amorfos. As luvas, reforçadas, forradas, impermeáveis, sem divisões para os dedos, parecem bolinhas desajeitadas nas mãos. O importante é manter-se quente, mesmo em detrimento de uma aparência elegante. Mas antes disso tudo vem o outono... e o outono é a época em que as roupas sociais, entre ternos e sobretudos, que o trabalho me aconselha a usar no dia-a-dia, pedem luvas de couro preto, bem cortadas, justas. Perfeitas para carregar a pasta e o guarda-chuva (longo, com cabo de madeira), embora, concedo, em tempos de touch-screeen, desvantajosas para atender o celular (e eu jamais vou contar a alguém que, certa vez, entre frio e preguiça, eu usei o nariz para atender a uma ligação).
Nesses íntimos momentos públicos, pelo menos duas vezes por dia, em que calço e ajusto as luvas, em saguões e antessalas, o RPGista dormente em meu cérebro fantasia missões desafiadoras e perigosas... invasões de arquivos alheios e roubo de documentos secretos, tiros de precisão com armas de longa distância, ou um duelo no teto de um trem em movimento. No final, o mais ousado que faço com as luvas é apertar os botões para entrar ou sair do bonde, e digitar o código de segurança da entrada do prédio. Mas vale a excitação do momento.
Certa vez, no milênio passado, eu decidi sair de um emprego após ter tido recorrentes sonhos nos quais usava o fio do telefone para enforcar meu chefe de então… Hoje, embora muito mais hierarquizada, a relação com as chefias é bem mais tranquila, nada a reclamar, a não ser por charme e esporte. Mas se eu tivesse um par de luvas naquela época…

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O Blog na imprensa!


Nosso blog esta ficando famoso. Especial atenção para a reportagem das páginas 22 a 25. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Hip Hip Hooray!

 
Setembro chegou para minha alegria, esse mês tão bem quisto que tem sido motivo de alegrias incontáveis com o passar dos anos. Não só é o mês do meu aniversário, mas também o do Felipe, meu pimpolho. Além disso, foi o mês no qual decidimos que era hora de pedir remoção, é o nome da música favorita da minha  comadre Rita Witsotsky, e, como se não bastasse, é um mês já há alguns anos recheado de viagens maravilhosas e muitas recordações.
 
Ano passado, setembro foi recheado de visitas aqui em casa, todas elas importantes e diferenciadas. Tive a oportunidade de comemorar pela primeira vez em terras finlandesas o meu aniversário, com o Daniel, e também desfrutei da companhia de Painho e Mainha e dos - naquela época - recém conhecidos Maria Clara e Luiz. Este ano tive a boa sorte de contar com novos amigos, de renovar amizades passadas e, no âmbito da família, tive a felicidade de ter por aqui o Gustavo e o Delmir.
 

E por falar nas minhas tão queridas viagens... tive o prazer de rever Oslo e a minha anfitriã favorita, Carol Ferraz, de descobrir a maravilha dos Fjords noruegueses com sua natureza de tirar o fôlego,  e de conseguir realizar um sonho antigo, o de viajar em um trem com cabine com leito, como fizeram os personagens da Agatha Christie em “O Assassinato no Expresso Oriente”. Uma pena que o meu grande companheiro e entusiasta de trens, meu marido Daniel, não estava comigo.

Por fim, um plus-extra-a mais- adicional pulinho em Londres e seus charmes, com a acolhida dos primos Ancelmo e Márcia. Tive o prazer e a honra de guiar o Gustavo e Delmir pela cidade que cativou o meu coração anos atrás e que eternamente deixará saudades, não importa quantas vezes eu retorne.
 

E, para os que gostam de frio, setembro também significa que o verão (ao menos aqui na Finlândia), deu "tchau, tchau" e está na hora de tirar os casacos do armário, que o outono está chegando com sua chuva insistente, seu vento gelado e sua gama de cores indescritíveis.

sábado, 3 de setembro de 2011

O conto de duas Helsinques (final)


À medida em que se aproximava do centro da estação, entendia melhor a distribuição espacial do prédio. A porta mais próxima à floricultura, pela qual havia entrado, era, na verdade, uma dos acessos laterais. À direita, um enorme painel com informações sobre partidas e chegadas localizava-se acima de uma série de portas de metal e vidro, que davam para a plataforma dos trens. Se prosseguisse pelo corredor onde estava, acabaria saindo pela lateral oposta. Ao seu redor, perfilavam-se pequenos quiosques, lanchonetes, uma banca de revistas, dois ou três cafés. E pessoas, várias pessoas. “Ao menos por aqui tem gente. Bancas de revistas e cafés sempre atraem gente”.  À esquerda, um vão levava primeiro a um lance de escadas para o andar anterior, e, mais à frente, para as portas principais da estação. Ao se dirigir para a escada, de onde tinha vindo a moça do buquê, passou por caixas eletrônicos e balcões de informação turística, sem muita procura naquele momento. Parou em frente às escadas – dos lados, as rolantes para cima e para baixo, e, no meio, as estáticas. Uma placa orientava que seria aquela a direção do metrô.

“Na pior das hipóteses, ela comprou as flores em outro local, e veio do metrô com elas. Aí eu vou ter de me virar com a loja da entrada mesmo”. Resolveu investigar, e respirou, curiosa. Optou pelas escadas comuns. Um acidente em uma escada rolante, anos antes, havia deixado certo receio. Os olhos concentraram-se em identificar o local de onde as flores alternativas teriam vindo. Antes de terminar de descer o último degrau, reparou em um luminoso amarelo em que se lia PicNic. Descobriria, ao longo dos meses seguintes, que aquela franquia de lanchonetes tinha diversas unidades espalhadas por Helsinque. A fome despertada naquele momento, entretanto, nada teve de ver com o aroma de café que adornava a vitrine com bagels, croissants e muffins, e denunciavam sobre o que se tratava o estabelecimento. E o cantinho do seu olhar, meio atrapalhado por uma daquelas cabines em que se tiram fotos para documentos, antecipou a primeira grande surpresa do dia.

Caminhou alguns passos, e finalmente pode ver. A primeira associação feita foi com dos esconderijos dos vilões, nos filmes clássicos de James Bond que ela e o Marido tanto gostavam. Uma  gigantesca praça subterrânea — se é que praças podem ser subterrâneas – abria-se bem à sua frente. Galerias de lojas se multiplicavam... por um instante, foi difícil absorver a quantidade de informações visuais às quais era subitamente exposta. Um supermercado logo à direita. À esquerda, uma loja de games, que, se não interessava tanto assim a ela ou ao Marido, já era uma novidade. A Esposa compreenderia que estava em uma espécie de mezanino, entre o andar da superfície, onde ficava a estação ferroviária propriamente dita, e a estação do metrô, acessível por compridas escadas que mergulhavam para o nível inferior, onde entrevia mais lojas. Mais alguns passos, ainda estudados, e pode ver, mais ao fundo daquele vestíbulo gigante, a floricultura que procurava.


Carregou seu excitamento até lá, enquanto percebia que aquele era apenas um, dentre muitos ambientes escondidos nas entranhas de Helsinque. Vários corredores engoliam e regurgitavam dezenas, centenas de pessoas apressadas. O frio era infinitamente menor, e os dedos tendiam a procurar os cachecois para folgá-los. Os mais ousados chegavam até a abrir os casacos, abafados pelo ambiente protegido. A quase totalidade dos mais jovens ensimesmava-se em seus fones de ouvido brancos. Poucos conversavam, e certamente sem a algazarra que já vira em espaços coletivos de outros países. Ainda assim, estava ali a cidade que procurara em vão nos dias anteriores.  Àquela altura, comprar as flores para a Embaixatriz era o menor de seus estímulos. Seguindo em direção às cores da floricultura, descobriu o escritório da HSL, para onde voltaria, dias depois, para comprar seu cartão de transporte público. A loja de flores oferecia, de fato, opções em maior quantidade do que a anterior. Encontrou com facilidade uma orquídea amarela — queria transmitir uma ideia de energia, de felicidade por estarem sendo recebidos nesse novo mundo.
 
Outro amarelo — o  da inicial indefectível e onipresente do McDonald’s — praticamente não chamou sua atenção. Fez apenas um breve registro mental, para referência futura. “Em caso de pânico, o McDonald’s é sempre uma opção segura”. Experimentou um corredor diferente, e encontrou outro supermercado, ainda maior, uma Apteeki (a rede de farmácias locais), e uma enorme loja que combinava estranhamente cosméticos e DVDs. Vislumbrou outros corredores mais à frente, todos eles tomados por pessoas transitando sem perceber seu fascínio. “É aqui que eles vivem..”, não conteve o pensamento. Decidiu voltar ao apart hotel e deixar por lá a orquídea, antes de aventurar pelo formigueiro que descobrira. Não voltou pelo mesmo caminho. Subiu por uma escada próxima, e ao reencontrar o nível da rua, percebeu que estava no lado oposto da avenida que dava frente para Rautatiasema. Havia uma segunda Helsinque que se espalhava por baixo da primeira, e que multiplicava, naquele momento, tanto sua missão de explorar a cidade quanto as alternativas que a cidade desvelaria.

Logo aprenderia que Helsinque foi edificada em uma região rochosa, e os finlandeses aproveitaram as propriedades de resistência e isolamento de seu leito para constuir não apenas redes de esgoto e aquecimento, ou túneis para o metrô, mas lojas, estacionamentos, arenas esportivas, fábricas, centros de processamento de dados e até piscinas.  Com isso, criavam ambientes menos expostos às temperaturas mais rígidas do inverno, e aproveitavam de forma mais intensiva os espaços limitados da capital.


O Marido só retornaria horas depois, e ela não pretendia interromper os trabalhos na Embaixada só para dividir os novos tesouros. Ainda assim, acelerou inconscientemente o ritmo de caminhada, como se o dia fosse passar mais rápido, ao fazê-lo. Intuiu um pensamento não totalmente consciente. “Serão também os finlandeses assim?  Escassos, cinzentos e silenciosos na superfície, mas vivos e pulsantes quando descobrimos os caminhos escondidos até eles?”. Os próximos anos talvez pudessem responder.

***

Quando o Marido entrou no quarto do apart, com seu conhecido ar de cansaço, não se deixou esquecer de demonstrar interesse:

- Oi, amada. Como foi seu dia?
- Tira a farda e vem comigo. Preciso lhe mostrar umas coisinhas...