sábado, 31 de março de 2012

Querido Papai Noel

Querido Papai Noel,

A Tia Adélia pediu para a gente escrever uma redação sobre as férias. Eu falei para ela que queria escrever uma carta para você, já que eu tinha visitado você nas minhas férias. Ela deixou porque ela é muito legal.

Você sabe que eu moro com meu papai no Brasil, né, Papai Noel?  Mas minha mamãe mora aí perto de você na Finlândia e eu fui passar minhas férias com ela.


Todo mundo diz que eu sou filho de uma tal de Glob... Goblali... Globalização, porque eu nasci em Los Angeles, moro em Brasília e vou passear em Helsinque, mas eu sou filho da mamãe Flávia e do papai Eduardo, não dessa outra moça.

Na casa da minha mãe é muito legal. Ela me ensinou a cozinhar, e me chamava de sous-chef. Ela só não deixava eu mexer com fogo, porque dizia que era perigoso eu me queimar. Eu gostava quando ela botava um negócio na comida e o fogo ficava super alto.

O marido da mamãe é o Dani, e ele é muito bravo. Minha mamãe fala que ele não é bravo, só é sério, porque o trabalho dele deixa ele muito cansado. Às vezes ele jogava videogame comigo e eu achava muito legal. Ele me ensinou as notas no piano, mas eu já esqueci. Ele também me mostrou o filme do C3PO. Ele é engraçado. O Dani e o C3PO.

Uma vez o Dani levou eu e a mamãe para nadar em uma piscina. Era uma piscina dentro de uma casa, Papai Noel!  Eu nunca tinha visto! A água era quentinha, e a gente podia escorregar em umas boias. O Dani pulou de um lugar muito alto. Deve ter doído, porque ele fez uma cara estranha quando saiu da água.


De vez em quando o Tio Lucas vinha brincar comigo também. Ele é muito legal. A gente via desenho na televisão e jogava videogame. O Tio Lucas sempre me dava um biscoito de chocolate que só ele sabia onde comprar. Eu gostava muito dele. Do biscoito e do Tio Lucas.

Minha mamãe me levou para conhecer o William, que tem quatro anos. Eu tenho cinco anos. O William é filho da Tia Maura, que trabalha no trabalho do Dani. Ela deixou a gente ir na sauna, e eu achei muito legal. É quentinho, dá vontade de ficar lá.

A Tia Maura e o Tio Kari levaram a gente para esquiar. O Dani ficava caindo o tempo todo. Eu achei engraçado. Eu gostei um pouco de esquiar, mas gostei muitão de brincar no túnel de gelo com o William.

Perto da minha casa tinha uma montanha de neve bem grandona, e minha mãe me levava lá às vezes para eu brincar com meu esquibunda. O Dani tem muito dinheiro, porque ele me deu um esquibunda e um relógio.


Minha mamãe me dava banho de banheira todos os dias, e eu gostei, porque eu podia brincar com meu barco e com meu patinho de borracha vermelho. Mas eu gostava de verdade era da bomba de espuma que a Tia Maria Clara deu para a minha mamãe, porque eu podia ficar escondido atrás da espuma.

Eu gostei muito das minhas férias porque eu andei de trem, de barco, de bonde e de metrô. Eu que apertava o botão para o bonde parar e para o elevador subir. Para entrar no prédio da mamãe tinha de apertar um recódigo, e eu que apertava.

Eu ajudei a mamãe a montar a árvore de Natal. Ficou muito grande e muito bonita. Tinha bolas coloridas, luzes e umas corujas, porque o Dani gosta muito de corujas. Mas ele não gosta de Natal, então não entendi nada. A gente deixou biscoito e leite para você e você comeu tudo, né, Papai Noel ?

Todo dia a gente desenhava na geladeira uma carinha feliz ou triste, para dizer se eu tinha me comportado ou não. Eu que desenhava as carinhas. Tinha mais carinhas felizes, mas eu ficava triste com as carinhas tristes porque minha mamãe ficava triste também.


Papai Noel, você lembra que minha mamãe me levou para conhecer sua casa? Eu achei muito bonita. A mamãe e a casa. Ouvi o Dani dizer que o nome do lugar onde fica sua casa é Lapônia, e que lá é que inventaram uma tal de lap dance, mas acho que é mentira, porque minha mamãe olhou para ele com a cara feia.

A gente andou no trenó com as renas, escreveu carta no seu correio para o Vovô Messias e para a Vovó Cacilda e para a Vovó Doroti e para o Tio Sérgio e para o Tio Guga, e foi naquele escorregador de gelo. Eu sei porque aquilo chama escorregador, Papai Noel !  É porque a gente escorrega quando tenta chegar perto dele, né?  Eu só fiquei triste porque aqui ninguém acreditou quando eu contei que a gente andou de motinha em cima de um lago congelado, mas você sabe que foi de verdade, né?

Depois a gente foi em um hotel todo feito de gelo. O moço de lá me deu um copinho feito de gelo. Era muito legal, mas eu não queria dormir naquele frio não. Deve ser só de brincadeira.


Aí a gente foi ver um negócio no ceu que eu não entendi bem. Minha mamãe e o Dani e o Tio Bruno e a Tia Carol ficaram um tempão olhando para o ceu porque ia aparecer uma luz verde. Eu achei chato. Ainda bem que eu tinha meu joguinho, porque a luz nem apareceu.

Aqui no Brasil a Tia Adélia e os meus coleguinhas ficam me perguntando se eu fiquei com frio. Frio é legal porque tem neve. Eu não gostava de usar um monte de casaco e luva, mas minha mamãe falou que era importante, e aí eu podia pular na neve. Ela e o Dani ficavam rindo quando eu tentava enfiar a cabeça na neve, mas era muito legal. Meu primeiro gorro favorito era o colorido e meu segundo gorro favorito era o gorro verde.

Estou com saudade da neve, Papai Noel. Da neve e da mamãe. Então eu prometo me comportar e ser um menino bonzinho, para você me dar presente. O presente que eu quero é que as férias cheguem logo de novo, para eu poder voltar a visitar a mamãe.

Cuida direitinho dela para mim, tá?  Da neve e da mamãe. 



Um abraço do

FELIPE.


P.S: As fotos que abrem e fecham este post são de Cristina Rijskamp,
 a quem muito agradeçemos.

terça-feira, 27 de março de 2012

Refeição Urbana

Há pessoas que possuem uma relação afetiva com a comida mais intensa do que seria aconselhável. Além da compulsão por determinados alimentos e do aumento da probabilidade de encontrar-se em condição de sobrepeso ou obesidade, as emoções podem começar a estar associadas à comida. Assim, em vez de fazer um carinho no seu filho ou parceiro, você oferece (ou pede) um chocolate, e acha que está tudo bem.

Ao morar no exterior, essa associação entre comida e afeto tende a intensificar-se. Embora seja possível encontrar boa parte dos produtos necessários para preparar iguarias saudosas – ou improvisar algo de qualidade, em especial quando se é casado com uma alquimista da culinária -, há alguns vazios no coração (estômago?) impossíveis de preencher: seu prato favorito naquele restaurante específico, há vinte anos feito pelo mesmo cozinheiro, que você já conhece pelo nome; o tempero característico da sua mãe (da sua, não da minha, que, farmacêutica, sempre preferiu cozinhar bactérias do que comida);   o cachorro quente vendido na esquina da sua casa ou na saída de sua escola, eventualmente produzido em condições de higiene que só incrementam a explosão de sabores oferecida…


Não foi, assim, com surpresa ou vergonha, que nos pegamos redigindo uma lista de restaurantes, lanchonetes, botecos e quiosques a serem visitados em nossas rápidas passagens de férias no Brasil. Uma verdadeira turnê  de quilos a serem ganhos, que inclui desde pratos típicos do Nordeste até a fast food made in cerrado, passando por um número de idas a churrascarias maior do que recomendado por médicos ou por consultores financeiros.

Hoje, aproveitando um retorno de viagem ao Brasil, e o aniversário - 27 de março – do Trovador Solitário, eu ofereço a vocês nossa singela homenagem aos brasileiros gastronomicamente expatriados:

Há trempes

Parece cocaína, mas é só farinha
talvez seja farofa...
Muitos temores nascem na viagem
e na imigração
A tapioca e o polvilho
temperos são a glória da cozinha brasileira
E há tempos fiz um lanche
fui comendo, fui comendo...
Teu pão de queijo está queimado
e ainda assim acho bonito
Já estamos desacostumados
a comer essas delícias
A fome vem e a fome vai
e o resto é gula mesmo...
Dissestes que um pedaço só
não ia fazer mal
à saudade que se sente
E o cheiro atrairia
todo mundo lá pra casa
Foi a vizinhança inteira...
E há tempos
Lembro tanto da comida
servida requentada
E há tempos eu não como feijão preto
E há tempos o churrasco está ausente
E o pastel foi esquecido
E só o acaso estende os braços
A quem procura
angu e requeijão...
Meu amor!
Cervejinha com batata,
tira gosto, calabresa
Caipirinha é com cachaça
(Ela disse)
Lá em casa tem um pouco
e a panela está quentinha.


PS 1: Agradecimentos a Leandra Felipe e Bruno Santos, coautores de alguns dos versos.
PS 2: Se você é um dos 99,999% dos leitores que não são feitos de madeira, eu não preciso mostrar o link. Mas se você esteve em coma nos últimos 23 anos e não conhece a música original, ilumine-se em: http://www.youtube.com/watch?v=h3zzDSpYPR8.