domingo, 1 de agosto de 2010

[Memorabilia] Missão cumprida, Tia Zizi!

Para os que não sabem, o “Ducci” que faz parte do endereço do blog, é uma corruptela de Guilarducci, meu sobrenome de família, e da Flávia por casamento. Como “Guilarducci” virou “Ducci” na minha adolescência é um caso para ser contato uma outra hora, e envolve um russo doido, uma violonista curitibana, um vendedor de sorvete, bandas de hard rock californianas e outros bichos do monstro-ário.

Meu tio Carlos Alberto, após anos trabalhando na Vale, aposentou-se e passou a se dedicar intensamente a dois de seus principais hobbies: fotografia e pesquisa sobre a genealogia da família. Dotado de uma inteligência invejável e um fôlego que eu já não tenho, o Tio Betinho tem levantado uma quantidade incomparável de dados di noi. Compilou informações muito interessantes, que já recuam até 1532, e que um dia vai se tornar livro e website. Espero que ele não se importe que eu dê algumas prévias por aqui.

O estudo mostra, por exemplo, que a grafia correta do nome é Ghilarducci. O nome derivaria da forma medieval “Gherardo”, uma latinização do germânico gar/ger (lança) e hard (forte). Não estaria descartada a forma Willhard (will + hard), que siginificaria uma família com uma grande força de vontade. O “ucci” seria uma terminação bastante comum na Toscana (ex: Bertolucci, cineasta e primo), região onde fica Cappanori, na Província de Lucca, origem geográfica da famiglia, e siginificaria “descentende de”. Pensando bem, vai ver é por isso que eu gosto do Liverpool, já que o capitão do time, Steven Gerrard, pode bem ser meu parente torto. Se fosse mineiro, era primo, com certeza.

Meu trisavô, Giovani Alessandro Ghilarducci, aportou no Rio de Janeiro em 18 de novembro de 1878, no Vapor Henri IV. Devido a misspelling nesse meu letrado Brasil imperial, ele virou Alexandre Guilarducci, grafia que herdei. Outros, Brasil afora, ficaram com “Guilarduce”, “Guilarduci” ou “Guilharducci”, mas somos todos, in the end, da mesma família.

Tudo isso para contar que, logo que chegamos a Helsinque, fomos convidados para jantar na Residência do Embaixador Armando Cardoso, no dia 9 de abril. Seria uma espécie de recepção de boas vindas ao novo Secretário e sua esposa. Algo mais íntimo: apenas o Embaixador e a Embaixatriz, a Ministra Mônica e o casal que, então, se acostumava com o frio.

Primeiro veio meu problema: eu nem gosto de, nem posso comer frutos do mar. Para que não houvesse maiores desconfortos, tivemos a ideia de, “sem querer”, deixar a Karoliina, secretária do Embaixador, ter acesso a esse pequeno detalhe. A seguir, veio do drama da roupa... jantar com um Embaixador, numa sexta à noite... qual o nível de formalidade?  Deveria usar terno? Para esse drama, o próprio Embaixador incumbiu-se de entrar na minha sala, na sexta pela manhã, e dizer: “Hoje lá em casa é informal, hein?!”.

Mais relaxado, me enfiei numa calça de veludo cotelê preta, com uma camisa social de mangas curtas branca e um suéter verde escuro, só para proteger as costas do frio. A Flávia optou por calças jeans, botas pretas de salto alto, e um suéter preto, de gola alta.Como nasceu para essas coisas muito mais do que eu, a Flávia teve a corretíssima ideia de comprar uma orquídea, para levar de lembrança para a Embaixatriz Dora.

A Residência se localiza nos últimos andares do próprio prédio da Embaixada, onde chegamos pontualmente. Entramos no elevador – pela primeira vez, já que nos outros dias bastava um lance de escada para que eu chegasse ao andar em que se localiza minha sala –, apertamos o botão correspondente ao terceiro andar e... nada. Apertamos novamente – nessa divertida mania humana de achar que insistência com a máquina adianta -, e obviamente nada de novo aconteceu. Para não atrasarmos, subimos de escada, e fomos recebidos gentilmente, e sem maiores cerimônias, pelo casal de anfitriões.

Em um misto de alívio e riso contido, percebemos que minha escolha de roupas tinha sido exatamente a mesma do Embaixador Armando, apenas com uma outra cor de suéter. A Ministra Mônica chegou ao mesmo tempo que nós, e a conversa seguiu tranquila. A única diferença identificável entre aquele encontro e uma reunião entre amigos era a presença de um garçom nos servindo à francesa – o indefectível Gupta, mordomo da Residência.

Tudo começou com uma champagne (uísque para o Embaixador), para celebrar a nossa chegada. Antes do jantar propriamente dito, risoles e empadas, todos muito gostosos. A Embaixatriz contou que já nos vira pela cidade, no cinema Maxim – que escolhemos para nosso primeiro filme, “A Single Man”, ainda no domingo de Páscoa [n.a.como contamos no post de 4 de abril]. Disse ela que viu aquele casal jovem, em um fim de semana de feriado, falando português, e deduziu automaticamente que seria o novo diplomata brasileiro com a esposa.

Após algum tempo de uma conversa simpática sem artificialismos, fomos convidados a nos dirigir para a sala de jantar. Como entrada, foi servida pera recheada com blue cheese, acompanhada de salada de alface americana e tomates picados. Como todos sabem, menos a Carol e o Goes, qualquer coisa com queijo é boa, e, naquela ocasião, a leveza do preparo e do ambiente fez tudo parecer mais especial ainda.

De repente, após ouvir os elogios à escolha do prato de entrada, a Embaixatriz comenta: “Ah, logo teremos um delicioso salmão...”. Antes que terminassem os meus três segundos de choque, ela começou a rir, apontou a brincadeira e agradeceu pelo aviso sobre minhas limitações gastronômicas. Sorri, meio sem graça, meio satisfeito.

Como prato principal, foi servido um confit de canard, acompanhado de arroz branco e batatas fritas em rodelas. Para quem não sabe o que diabo é isso, como era meu caso, trata-se de um prato típico da Gasconha, feito com a perna de um pato, cozida em sua própria gordura durante horas a fio. A explicação é cortesia do Dicionário Flávia de gastronomia e culinária.


Era a hora de um novo brinde, e, naquele momento, lembrei-me da missão que me foi dada por uma tia, a Tia Zizi: “Quando você estiver jantando com o Embaixador, na Finlândia, se preparando para representar o Brasil no exterior, lembre-se do seu Trisavô Alexandre, vindo para o Brasil, sem dinheiro e sem rumo certo. Mais um século depois, um descendente dele está de volta à Europa, em condições totalmente diferentes da que ele veio”.

Aquele brinde foi para ele, e para minha Tia Zizi, e para meu Tio Carlos Alberto, e para meu Tio Zé Carlos, e para minha mãe, e para e para todos os Guilarducci.

Toda a famiglia segurou aquela taça comigo, e faz parte desta conquista.

Ah, sim. Na descida, descobrimos que, nos elevadores da Embaixada, não basta apertar o número do andar. É preciso pressionar em seguida um “close door”, que estava bem na nossa frente o tempo todo.

Ser jacú é dose.


Post Scriptum
Dedicado aos parentes e amigos, presentes e ausentes. À minha mãe, que faz aniversário hoje (1o de agosto); à Marcinha Negreiros, que não é família de sangue, mas é mais do que isso (nossos pensamentos com você, moça!); e a meus colegas da Turma Celso Amorim/2007-2009, que completam 3 anos de sobrevivência na diplomacia.
Este texto inaugura a sessão “Memorabilia”, do blog, que contará sobre eventos e sentimentos que já ocorreram há algum tempo por aqui, e que, por um motivo ou por outro, acabaram não sendo divididos com vocês.

5 comentários:

  1. Sei que esse post tem toda uma carga pessoal e familiar, Ducci, então já me desculpo de antemão por estar metendo o nariz na história da sua família.

    Mas não posso deixar de comentar - Se você tinha alguma esperança de, um dia, talvez, quem sabe, deixar de ser a bicha heterossexual da turma, pode ficar seguro que esse post acabou de enterrar bem fundo qualquer possibilidade disso acontecer!

    Beijas,
    J.

    P.S.: Sim, vou comentar pra caramba por aqui. Deal with it.

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  2. Hahahha quem é que falou que eu quero deixar de ser bicha hetero? :D

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  3. Hei... mas eu NÃO sabia o que era a diaba da perna de pato! Há esperança!

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  4. Mas aquela história de calça de veludo 'cotelê' (grifo seu), por mais que o termo tenha sido extraído do Dicionário Flávia de culinária e cultura, realmente depôe contra sua heterossexualidade... :-P

    Last but definitely not least, adorei a menção neste seu post e muito obrigada por dedicá-lo a mim tb. :-)

    Beijoslos da CaRRoL

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  5. Carollll, o veludo cotele é coisa minha tambem, eu sou a consultora para assuntos de vestimentas e culinaria do blog e outras coisinhas mais.

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