quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Tende Pietari de nós – Parte 2

Na saída do restaurante, tivemos a oportunidade de ver e tirar fotos da igreja que tem o nome mais sensacional no planeta: Igreja do Salvador sobre o Sangue Derramado. A catedral, com suas abóbodas de cebola (não ri não, o nome é esse mesmo) coloridas e uma profusão de detalhes típica das ortodoxas russas, ganhou esse simpático nome graças ao fato de que, em 1881, o Czar Alexandre II foi assassinado pela Narodnaya Volya (Vontade do Povo), grupo  terrorista que lutava pela convocação de uma Assembleia Constituinte, sufrágio universal, liberdade de opinião e imprensa, propriedade da terra, reformas socialistas e essas outras coisas que pobre gosta. Alexandre III, sucessor do assassinado, resolveu construir, no local do crime, a tal Igreja.


Essas e outras informações, trazidas, pela Tatjana com um fôlego digno de guia mirim do Nordeste, nos fizeram pensar em como a história da Rússia é violenta. Por exemplo, o Czar Paulo I mandou construir o Castelo de São Miguel (ou Mikhailovsky zamok) cercado por canais fluviais, e cheio de pontes levadiças, cercas vivas e passagens secretas, tamanho era seu temor de ser assassinado. Resultado: após apenas 40 dias de residência no castelo, foi vítima de uma conspiração militar. Isso sem falar no caprichado assassinato do Rasputin, conselheiro místico dos Romanov, e dos 27 milhões de soviéticos mortos durante a 2a Guerra.

Por falar em Rasputin, nosso motorista era o Vladmir, sósia do Monge Louco, e trombonista profissional que ganha uns trocados a mais no mercado do turismo enquanto a orquestra está em recesso de verão. Ao chegamos na Fortaleza de São Pedro e São Paulo, minha febre já tinha voltado, e eu contava os minutos para descansar no hotel. Mas ainda dava tempo de aprender que a Fortaleza foi o marco inicial da cidade, construída no início do século XVIII para resistir a eventuais ataques suecos durante a Grande Guerra do Norte. Para variar, mais histórias de sangue: centenas de trabalhadores morreram durante sua construção e, posteriormente, o local foi palco de tortura e reclusão de prisioneiros políticos. Uma graça.

Na Catedral de São Pedro e São Paulo, pudemos ver os túmulos de diversos czares russos (aliás, de todos, exceto Pedro II e Ivan VI), bem como dos Romanov assassinados pelos bolcheviques. Aliás, mais um conto de sabedoria: depois de conduzidos a uma sala da casa do Engenheiro Nikolay Ipatiev, onde eram mantidos prisioneiros, Nicolau, sua família, o médico pessoal e mais uns servos que não tinham nada a ver com a história foram fuzilados pelos soldados. A sabedoria, no caso, está no fato de que o Czar foi o primeiro a morrer, enquanto sua esposa e filhas demoraram um pouco mais, e precisaram de uma ajuda das baionetas, porque usavam muitos diamantes e outras pedras preciosas costuradas em seus vestidos. Diamonds are a girl’s best friend.


Antes de irmos para o hotel, fomos levados a uma pequena sala da Catedral, onde um grupo vocal russo entoou cânticos religiosos, eu acho. Vou contar a vocês... eu, que já ouvi muita música vocal na vida, fiquei com a sensação que aquele baixo profundo que segurava os harmônicos do grupo desfez várias pedras nos rins da audiência. Na saída, Tatjana nos contou ainda que, até a década de 1960, a agulha da Catedral de São Pedro e São Paulo, coroada por um anjo, era o ponto mais alto de São Petersburgo. Soubemos, igualmente, que, durante a II Guerra Mundial, as abóbadas foram pintadas (coitado do estagiário...) de cinza para dificultar os bombardeios.

Chegamos ao Hotel Dostoevsky só a tempo de eu apagar de gripe. A partir de agora, o relato é baseado em comentários da Flávia. Uma vez constatada minha completa incapacidade de sair para jantar, a heroica esposa buscou pelo serviço de quarto. A curiosidade é que nesse hotel, para ter acesso ao cardápio, é preciso pedi-lo por telefone. Antevendo demora e dificuldades, ela se aproveitou do fato do hotel ser encravado em um shopping centre, e conseguiu comprar, entre visitas a um mercado e a um café, um sanduíche, biscoitos e chá quente. É claro que isso tudo foi feito com a linguagem da mímica e do profunda proximidade – nenhuma – entre o português e o russo. Segundo ela, o máximo que conseguiu foi encontrar alguém que balbuciava inglês.

Tendo deixado provisões para o moribundo, Flávia e seus pais saíram para jantar. Optaram pela segurança de um restaurante italiano, o Palermo. O primeiro estranhamento foi a ausência de um taxímetro no táxi. Aprenda, camarada, que, em São Petersburgo o preço das corridas é combinado antes. A maioria dos trechos que fizemos ficaram entre 16 e 22 dólares. No Palermo, ao contrário da experiência do shopping, a Flávia encontrou um garçom simpático e fluente em inglês, e a comida justificou, segundo ela, a escolha.


Após o jantar, os três doidos resolveram que, já que não estavam muito longe, voltariam andando para o hotel – apesar de todos os alertas feitos por guias, motoristas, camareiros, balconistas e etc sobre a falta de segurança da cidade. Mais Brasil do que Finlândia, como eu disse. Logo na saída do restaurante, um senhor com uma farda aparentemente policial cruza com o grupo e fala algo – em russo, claro. Na minha opinião ele estava querendo comprar a Flávia, mas, como não recebeu muita atenção, ele entrou em um carro próximo e foi embora. Houve, entretanto, pelo que se conta, um certo momento de tensão até que a cena tivesse seu desfecho.

 Depois da quantidade de sangue que já espirrou deste post, é bom contar que a turma chegou são e salva no hotel, não sem antes ter registrado um dos ícones da vitória da guerra fria, o McDonald’s em solo russo. Ou vocês não se lembram das filas quilométricas quando o primeiro abriu em Moscou, em 1990?

A esposa afirma até hoje que, durante o jantar, tomou apenas meia taça de chianti. Eu tenho lá minhas dúvidas... ao chegar ao hotel, e me encontrar um pouquinho melhor, ela ligou a TV e assistiu a um bom pedaço do Senhor do Aneis em russo... e achando bom! Segundo ela, a língua combina, deixa o filme mais soturno...  Ah, стоп, Flávia!

(continua)

2 comentários:

  1. Estou preocupada... não uso diamante... nem nada muito precioso.

    De qualquer forma, acho natural assistir ao Senhor dos Aneis em russo: um dos filmes prediletos dos meus filhos é "Meu amigo Totoro", em japonês.

    Eu sei que eles compreendem... :)

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  2. Muito boa narrativa, hilária a parte da confusão com as "primas" russas...hahahahahaha

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