domingo, 22 de abril de 2012

Memorabília: De volta ao Brasil (parte final)

A primeira sensação da volta à Pátria Amada foi a de um calor menos familiar do que deveria. Por mais que as quase dez horas de condicionamento do ar no avião amenizassem o choque, sair de cerca de cinco graus para perto de trinta não correspondeu à uma sensação de alívio do frio, e sim de sufocamento com a sauna perene, e sem direito à eucalipto, de Brasília. Em menos de dois meses, aparentemente, o corpo já estava acostumado com um outro padrão de temperatura, e a perspectiva de ter de trabalhar de terno nos dias seguintes não ajudava.

O segundo estranhamento foi o da compreensão e do ruído. Na Finlândia, além de conviver com uma população extremamente econômica com a fala, a completa ignorância da língua faz com que seja possível abstrair o que se passa em volta – a ponto de, em algumas ocasiões, não percebermos quem alguém está se dirigindo a você, para tirar uma dúvida ou avisar que um objeto supostamente de nossa posse havia caído.

O Brasil é um país barulhento. Isso provavelmente significa mais expressão de vida, mais interação, e, quiçá, mais alegria. Essa consciência racional não bastou, entretanto, para evitar o incômodo com o nível de ruído das pessoas esperando pelas malas ou encontrando parentes na saída da sala de desembarque.

Para piorar, agora era possível entender, mais do que se gostaria, o que diziam as pessoas ao meu redor. E o festival de bobagens, incorreções, raciocínios rasos e masturbações da função fática criava uma estranha saudade do eco da máquina de lavar roupa ligada em casa. Não se trata de crítica ou esnobismo, apenas do assombro pessoal com a própria sensação de não-pertencimento que se apossava mais rápido do que imaginado.

Havia o lado bom, claro. Ser chamado à serviço, para um dos raros diplomatas nascidos e criados em Brasília, significava, por um lado, ser pago para visitar os amigos e a família. Minha mãe não conteria o sorriso, não haveria gastos com hoteis, e eu poderia matar saudade – quase inexistente, dado o pouco tempo de missão transcorrido – de certos bares, restaurantes e programas de TV.

O tal briefing no Ministério foi rápido e algo decepcionante. As tais apresentações sobre as realidades locais na área de CT&I foram completamente esquecidas, fazendo com que o esforço do estudo em cima da hora tivesse gosto de inutilidade. Por outro lado, pareceu real o entusiasmo das pessoas que lidavam com o tema, convencidos  de que o caminho para um Brasil mais desenvolvido passa pelo investimento em pesquisa, pelo estímulo à ciência, e pela destruição das torres de marfim onde a academia busca isolar-se da iniciativa privada. Um daqueles momentos nos quais é fácil concordar com as instruções dadas, e que o trabalho parece efetivamente relevante. Um daqueles momentos em que a opinião daqueles que insistem em dizer que todo servidor público é um burocrata preguiçoso e pouco proativo parece um pouco mais obsoleta.

A participação na Conferência, em si, é sempre um pouco menos focada. Como qualquer outro evento daquele porte, as apresentações são sempre rápidas, fazendo com que sejam ou óbvias demais, pela opção panorâmica, ou parcialmente incompreensíveis, caso os especialistas atenham-se a detalhes.  Vale, como toda reunião sobre qualquer tema, pelos contatos pessoais, pelas trocas de cartões, e pela oportunidade de aprender um pouco mais sobre os inúmeros programas que diversos setores do governo (mais), da iniciativa privada (menos) e da sociedade civil (hein?) têm desenvolvido. Para um ex-concursando para o Rio Branco, valeu também pela oportunidade de conhecer, pessoalmente, Bertha Becker, que tantas horas a meu lado nos meses que antecederam a prova de geografia, e que deixava de ser um nome em uma lista de indicação bibliográfica e passava a ser uma palestrante sabida na vida real. 


A panaceia da vez é a inovação. Investir em inovação nos torna mais competitivos, ricos, bonitos e inteligentes. A inovação é o pulo do gato, o início, o fim e o meio. Em torno do conceito, você pode organizar uma palestra atraente, praticamente sobre qualquer assunto… design e inovação; a década da inovação; conhecimentos tradicionais dos ribeirinhos da Amazônia e inovação; filé com bacon e inovação… De forma não surpreendente, e que faz pensar, o significado da palavra, em finlandês, está diretamente ligado algo concreto, a um novo produto, e não a uma ideia abstrata quase religiosa.

O dado especial é que o evento foi organizado precisamente no mesmo hotel em que passei minha noite de núpcias. E o Brasil que me perdoe, mas as lembranças daquele dia foram, em alguns momentos, mais fortes do que a relevância da inclusão social nas inovações em prol do desenvolvimento sustentável, ou a incoerência entre o reconhecimento retórico da importância da ciência e o comprometimento orçamentário a ela destinado.

Ao final da 4a CNTCI, a sensação era a de um aprendizado intenso em curto espaço de tempo, de um trabalho difuso, ainda que bem intencionado, e de uma imensa saudade de casa. O momento de insight, inesperado, foi aquele em que não tinha mais certeza sobre a que casa eu me referia…


PS: O texto faz parte da Sessão Memorabília, e faz referência a fatos ocorridos no fim de maio de 2010.

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