sábado, 3 de abril de 2010

Trinta e cinco anos em noventa caixas

Qualquer grande mudança em nossas vidas faz – ou deveria fazer – a gente refletir, avaliar tudo o que aconteceu até então, e projetar e se preparar para o que virá. Quando se trata de uma mudança materialmente muito grande, o impacto é, ao mesmo tempo, mais intenso e mais diluído.

Não me refiro ao valor financeiro das coisas que ficam ou que vão, e a estimativa do valor de cada bem para preenchimento do inventário do seguro seja um exercício dos mais soporíficos. É o valor imaterial das fotos antigas, dos rascunhos de poesias incompletas e daquele chaveiro que você usou com a chave do seu primeiro carro que alonga o processo de seleção.

Para Flávia, a mudança para a Finlândia é mais um episódio de uma aventura que começou há anos, desde que sua família se mudou de Aracaju para Brasília. Em sua décima mudança de casa, e segunda mudança internacional, ela se mostra muito mais prática e desapegada. Leva o que é importante e essencial, e organiza tudo com rapidez.

Enquanto isso eu perco dias, semanas, a decidir se levo comigo, se deixo no Brasil ou se jogo fora uma coleção de desenhos que fiz na pré-adolescência. Poxa, e aquelas revistas sobre o mercado editorial que sempre me prometi ler e se acumularam esquecidas até hoje? Cada item gera minutos eternos de histórias relembradas, em uma espécie de autobiografia instantânea e informal.

Sobrecarrego a pilha de livros com obras que tenho certeza que não lerei, mas... quem sabe? O cérebro andarilho pode querer parar por obras de simbologia medieval ou de cibernética, sem falar em todo material de referencia profissional é incluído por segurança. Não é simples apego aos papeis antigos, ou às roupas, ou aos CDs ou DVDs... o que emociona é cada uma das histórias evocadas por eles.


São trinta e cinco anos de Brasília, e um acúmulo de memórias queridas – ainda que dolosas, em alguns casos – e os objetos que as referenciam. Em dois dias, três sujeitos desconhecidos encaixotam trinta e cinco anos, sem muita noção de que ali vai uma vida.

Muitas caixas ainda nos acompanharão por toda a vida. Acho que, in the end, o importante é ter as caixas mentais mais cheias do que as físicas, para ter o que contar e dividir sem carregar tanto peso por aí.


Um comentário:

  1. ... então, meus queridos afilhados, que o espírito cigano esteja sempre presente... suas moradas agora serão um eterno "acampamento" e tudo estará sempre em perene mutação... a lição a ser aprendida: DESAPEGO :)
    bj bj bj

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