domingo, 10 de outubro de 2010

De Oslo na reciprocidade

Um dos princípios que regem as relações internacionais é o da reciprocidade. Academicismos à parte, o auditivamente incômodo verbo “reciprocar” significa fazer com o outro Estado o que ele faz com o seu, seja em privilégios ou restrições. Podiam chamar de “retribuir”, mas aí não teria cara de coisa oficial, jurídica, importante. O caso mais comum é dos vistos de entrada: com a exceção de casos muito pontuais, o Brasil isenta os cidadãos de países que fazem os mesmo com os cidadãos brasileiros. De tanto lidar com isso, acabamos incorporando essa atitude, mesmo na vida pessoal. Parece intuitivamente justo.

Entre as grandes vantagens de se morar na Europa está o fato de que, com pouco tempo disponível e a relativamente baixos custos, é possível conhecer outros países com certa facilidade. Ao contrário de Brasília – e do Brasil, quase como um todo -, em que só pra chegar ali em Belo Horizonte já toma um certo tempo. Aqui, em 6 meses visitei 3 países – Estônia, Noruega e Rússia. A Flávia ainda conseguiu marcar a Suécia e a Dinamarca nos aplicativos do Facebook.

Tudo isso para dizer que recentemente começamos a reciprocar os agrados que nos foram oferecidos até então. Juntamos, assim, os princípios arraigados com a praticidade e fomos até Oslo, passar o fim de semana com a Carol, amicíssima desde outras épocas e outros videokes. Como os assíduos leitores do blog já sabem, ela foi a segunda pessoa a nos visitar, junto com sua mãe, Mira, aqui em Helsinki. A primeira pessoa, meu primo Pedro, mora no Brasil, e vai demorar um pouco até eu poder devolver a visita – mais fácil ele aparecer por aqui de novo, não, primo?


Chegamos em uma sexta à noite, atrasados mais de uma hora por conta do vôo da Norwegian Airlines. Ao menos o aeroporto de Gardermoen, com suas paredes de vidro e pé direito altíssimo, fez-nos esquecer um pouco o cansaço. Não sei se estávamos particularmente sensíveis no dia, mas a primeira impressão foi a de que se trata de um dos aeroportos mais bonitos em que já estivemos. 
 
Estavam lá, firmes, fortes e empolgados, a Carol e o Mateus Zóqui, que eu conheço dos tempos do concurso para Oficial de Chancelaria por meio do qual eu entrei no MRE, nas idas épocas de 2004/5. Ele já está na Noruega há cerca de três anos, e foi extremamente gentil em ir nos buscar de carro, em um aeroporto a 35 km da cidade, e em plena sexta-feira chuvosa. Em breve, será ele que reciprocará nossa visita, e esperamos oferecer o mesmo tratamento VIP que ele providenciou.

Foram dois dias e meio de novidades e diversão. Passeamos na Karl Johansen Gate, uma daquela ruas de tráfego exclusivo para pedestres, cheia de lojinhas, bares e etc. Passamos em frente ao Stortinget, o parlamento norueguês, e esticamos até a prefeitura (Radhus), prédio com uma arquitetura peculiar, em grandes caixotões, e com um saguão de entrada repleto de pinturas que, suponho eu, retrate eventos importantes da história da cidade. Foi nesse momento em que encontramos a Miriam, colega diplomata que também já visitara Helsinki, e almoçamos juntos. Ainda deu tempo, naquela tarde, de visitar o prédio da Ópera de Oslo, que, digo sem medo de errar, se ficasse ao longo do Eixo Monumental, em Brasíia, ninguém iria estranhar. Embora a construção tenha sido completada apenas em 2007, o espírito de Niemeyer vivo deve ter incorporado no tal do Tarald Lundevall, arquiteto do lugar. Rampas, mármore, vidro.... para ser um monumento de Brasília, só faltava o povo chegar atrasado nos espetáculos apresentados.

No domingo, fizemos um “tour” de museus, em Bygdøy, península a oeste de Oslo: primeiro, fomos ao Museu dos Barcos Viking, onde pudemos ver os restos do Oseberg, do Gokstad e do Tuna, todos barcos cerimoniais vinkings (“viquingues " é dureza, me perdoem) encontrados enterrados na Noruega, e datados do século IX. Além dos próprios barcos, vários objetos de época e três esqueletos humanos encontrados fazem do museu um dos mais ricos em artefatos vikings. Os amigos errepegistas (que espetáculo de neologismo!) e os que organizam as festas medievais em Brasília todos gritaram “homem do Norte!” nos ouvidos da minha alma naquele momento. 

Em seguida, fomos ao Museu Fram, que conta um pouco da história das expedições polares.  “Fram" é o nome do navio de madeira, construído na última década do século XIX que, diz-se, navegou mais para o Norte e mais para o Sul do planeta. Absolutamente sensacional acompanhar a coragem – ou loucura, ou ambos – daqueles sujeitos que tinham o comichão de explorar os confins gelados da Terra. Eu não conhecia muito sobre a história de homens como Fridtjof Nansen, Otto Sverdrup e Roald Amundsen. Após a visita ao museu, fiquei me perguntando como Hollywood não aproveita para adaptar para o cinema com mais frequencia aquelas aventuras reais – sobre o tema, há o "Scott of the Antarctic", só que centrado na vida de Robert Falcon Scott, inglês que “perdeu” para o Amundsen a corrida pelo Pólo Sul. Amundsen e Scott dão, hoje, nome a uma estação de pesquisa científica norte-americana no alto platô antárctico. Um abraço aos amigos navegadores, profissionais ou não... Alexei, Bruno, Dani Deiro... bring me horizon!

Almoçamos em um italiano chamado Olivia, com direito a participar – ortogonalmente - da Maratona de Oslo. À tarde, a Carol nos levou para conhecer o famoso Parque Vigeland, que leva esse nome em homenagem a Gustav Vigeland, escultor norueguês da primeira metade do século XX. O Parque tem mais de 200 esculturas em bronze que retratam a condição humana. A expressividade das estátuas é de tirar o fôlego... um crescendo de sensibilidade e, em alguns casos, erotismo, vai ficando mais intenso até que se chega à masterpiece do artista, o Monolito, um obelisco de granito, com quase 50 metros de altura, em que se entrelaçam homens, mulheres e crianças, de diversas idades e com diversas atitudes, e representaria, segundo o material promocional do Parque, “a ânsia e o desejo humano pelo espiritual e pelo divino”. Como todo obelisco também é associado à simbologia fálica, deixo para vocês interpretarem.


Antes de nosso passeio na Noruega acabar, passamos na casa da Miriam, para oficializar a reciprocidade, e torná-la mais completa. De brinde, ganhamos uma das vistas mais bonitas de Oslo, direto de seu sótão cheio de estilo, como ela mesma o é. O domingo terminou com uma quase tradicional pizza, junto com a própria Miriam, o Mateus e a Carol. Boa pizza e bons amigos – quem pode pedir mais do que isso?

Embora seja menor em área e população do que Helsinki, Kristiania, ou, melhor, Oslo, deixou a sensação de ser uma cidade mais... animada, talvez. Além disso, parece ser... elegante, talvez. Por outro lado, a cidade é, pelo menos, uns 30% mais cara do que Helsinki. No pouco tempo que passamos, vimos mais regiões com movimento e atrações. As pessoas pareceram mais abertas, mais sorridentes, e, em várias lojas e restaurantes, faziam questão de perguntar de onde Flávia e eu éramos, sempre de uma forma simpática.

Creio, entretanto, que essa sensação possa vir do efeito  “novidade + grama do vizinho”. Enquanto avalio e comparo as cidades me pergunto... será que elas também avaliam seus visitantes?  “Aquele ali não entendeu nada da minha alma...”;  “uhmmm esse casal só conheceu meio bairro e acha que pode dar palpite...”; “adorei esse aqui, fugiu dos tourist traps e me entendeu na primeira olhadela...”. 

Será que as cidades reciprocam?

6 comentários:

  1. Pois é... o serviço Zoqui de receptivo turistico é muito bem recomendado mesmo... só estou esperando pra ver qual o proximo posto do Mateus :)

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  2. Agora que sabem o caminho, vocês podem até chegar de surpresa. Voltem sempre, MESMO! Muito obrigada pela visita, mais uma vez, e da próxima vez a casa da Carol estará bem melhor, pois a cada dia as coisas estão se ajeitando cada vez mais por aqui. Que tal expedições polares, boreais e/ou fjordísticas da próxima vez? =)

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  3. Ha. A despeito de todas as suas afirmações em contrário, Ducci, eu continuo achando que você sempre escreveu melhor que eu. :-) Morar em uma metrópole como São Paulo embrutece a alma, a ponto de nos esquecermos de pequenas coisas, como fazer ao próximo aquilo que gostaríamos que nos fosse feito.

    Um abraço velejador para você, meu amigo.

    Eu me emociono um pouco ao ver os barcos vikings, primeiro pela (mais ou menos recente) leitura dos livros do Bernard Cornwell, romances históricos para ser preciso, sobre as invasões vikings à Inglaterra. Recomendo muito se você não houver lido ainda.

    Segundo, por descobrir recentemente que, na verdade os que se chamam "Russos" são, na verdade, descendentes de nórdicos que, assim como saquearam os litorais Atlântico, também o fizeram no interior do continente, através dos rios. Chegaram mesmo a alcançar o Mar Negro e saquear Constantinopla no fim do século IX.

    Sou 0,000000000000025% viking.

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  4. "Amundsen (...) descreveu sua conquista não como o feito que glorificaria uma raça ou uma nação de bravos, mas modestamente, como a realização de um sonho de infância. Ou melhor: como o oposto maior desse seu sonho: em 17 de janeiro de 1911, finalmente no pólo sul, vencedor de uma das mais extraordinárias conquistas da humanidade, ele confessou ser o homem mais distante de seu verdadeiro sonho, que sempre fora o pólo norte, o pólo oposto. É verdade que, numa época onde a força das bandeiras e o heroísmo das raças era mais importante do que a realização ou o exemplo pessoal, Amundsen cometeu um crime. Um dos raros crimes que é possível admirar: o de realizar o próprio sonho."

    Amyr Klink, no "Mar sem Fim".

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  5. Acho que a grama do vizinho é mais verde sim... Na escandinávia talvez seja a neve do vizinho que seja mais branca, vai saber. O fato é que achei Helsinki bem mais animada do que Oslo. Mas dou um desconto para a influência do clima: peguei os 17 minutos de verão de Helsinki, sorte que não dei em Oslo.

    "Reciprocar" é um nome feio para um acontecimento muito legal... Espero reciprocar a visita a vossa Finlândia no meu velerinho paranoense em breve!

    Abs!

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  6. Já não se faz mais blog como antigamente. Um mes sem atualização me deixa ansioso. Já viciei

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