quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

“Você não trabalha não?” - Parte 1


Na verdade, hoje, dia 6 de janeiro, não.

Aqui na Finlândia é feridado nacional, dia da Epifania. São tantos significados históricos atribuídos à data, em diferentes períodos, que tinha de ser feriado mesmo. Já foi o nascimento de Jesus Cristo, seu batismo, a visita dos Reis Magos e, na Igreja Luterana, ainda é um dia dedicado ao trabalho missionário. A Embaixada respeita o calendário de feriados locais.

Mas antes que você resmungue um “diplomata-é-tudo-vagabundo-de-vida-mansa-mesmo”, permita-me lembrar que no Carnaval, no 12 de outubro, no 15 de novembro e outros dias de ócio brasileiros – sem falar nas aberrações brasilienses ligadas a esta ou aquela religião específica -, trabalhamos normalmente aqui. O único feriado brasileiro que é respeitado é o Dia da Independência – o que sempre me faz pensar que celebramos o fato de termos nos tornado Império, mas não tanto o de termos nos tornado República.


Ao longo desses meses de blog, alguns dos 38 leitores reclamaram que eu falo muito pouco sobre trabalho aqui. Em parte, isso é proposital: a ideia é contar um pouco de nossas experiências pessoais por aqui. Quando eu chego em casa, a última coisa que quero recordar é de temas de trabalho – fora o fato que há sempre um componente meio sensível nos temas tratados por uma Embaixada. Em tempos de Wikileaks, deixe eu mesmo ser meu Assange. É a melhor coisa que eu faço.

E o que é que eu faço na Embaixada?  Bom, é mais fácil eu explicar o que eu não faço. Eu não lido, ao menos diariamente, com temas de comércio. Para isso temos o SeCom, que tem um funcionário designado só para tomar conta dele. Também não faço atendimento consular – que está em mãos irrepreensivelmente competentes, tanto de Oficiais de Chancelaria quanto de contratados locais. Por fim, temos uma contabilista sem igual, que deixa a administração da Embaixada hiper organizada.

Sobrou alguma coisa então, Daniel, ou você fica na Embaixada só tornando o ambientem mais espirituoso?  Sobrou, e sobrou bastante. Aproveitando o mote para introduzir a glosa (grande frase, que eu li em um telegrama certa vez), resolvi compilar, à guisa de (outra expressão ótima, né?) retrospectiva, alguns dos principais momentos profissionais destes primeiros tempos em Helsinque:

Abril:
- Quando cheguei à Embaixada, fui designado como desk de Estônia. A Embaixada do Brasil em Helsinque, como é de conhecimento de Vossas Excelências, acumula os temas da Finlândia e da Estônia. O país báltico virou meu feudo, por assim dizer. Isso significa, entre outras coisas, que, diariamente, preciso me inteirar das principais notícias, ações de política externa, tendências da política interna, condições econômicas e destaques culturais da Estônia. A cada dois meses, envio um relatório para Brasília, de mais ou menos umas 20 páginas;

- obtenção da lista de membros da delegação estoniana que participaria, em maio, do III Fórum da Aliança das Civilizações, no Rio de Janeiro. Realização de gestões, junto à Petrobras, para elaboração de agenda paralela ao evento;

- relatório sobre a Reunião Informal de Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países membros da OTAN, realizada em Talim, nos dias 22 e 23 de abril;

- 29/04: oficialização de proposta de texto de Memorando de Entendimento sobre Consultas Políticas entre Brasil e Estônia, a ser assinado por ocasião da visita do então Senhor Ministro de Estado Celso Amorim, à Estônia, em junho.

Maio
- comparecimento ao concerto de órgão na Catedral de Helsinque, organizado pela Embaixada da Polônia;

- organização da visita do então Senhor Ministro de Estado Celso Amorim, à Estônia. Essa correria, bem como a visita em si, merecem um post especial. Uma visita de Alta Autoridade envolve contatos com o hotel onde a delegação ficará hospedada, passando pelo Cerimonial da Chancelaria estoniana, pela área política, e pelo controle de tráfego aéreo – que autoriza sobrevoo e pouso do AeroBarão. Sem falar na atualização dos relatórios sobre a Estônia e na elaboração de propostas de pontos de conversação que serviriam de base às discussões entre o ME e os representantes estonianos. 


- 17/05: consulta, por instrução da Secretaria de Estado, sobre a legislação estoniana na área de direitos e deveres civis do uso da Internet;

- elaboração pontos de conversação e atualização de perfil biográfico para o encontro – que acabou não ocorrendo – entre o então Presidente Lula e o Primeiro Ministro estoniano Andrus Ansip, à margem da VI Cúpula América Latina e Caribe-União Europeia, que teve lugar em Madri, em 18 de maio;

- 22/05: comparecimento à aula magna do Presidente da Bolívia Evo Morales, na Universidade de Helsinque, e posterior relato a Brasília;

- 26-28/05: participação na IV Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esta merece um post retroativo no futuro, porque me fez voltar à Brasília menos de dois meses após ter me mudado para a Finlândia;

Junho:
- análise da repercussão do III Fórum da Aliança das Civilizações na Estônia;

- consulta, junto às autoridades finlandesas, sobre o estágio do Mecanismo Preventivo Nacional  previsto no Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes;

- gestões, junto à Chancelaria finlandesa, para a aprovação do programa de trabalho a ser então proposto pelo Brasil na qualidade de Presidente da Conferência do Desarmamento, em Genebra;
- apoio na execução da Festa Junina da Embaixada do Brasil;

- 11/06: comparecimento à evento promovido em conjunto pela Embaixada da África do Sul e pela Embaixada do México, para comemorar a partida de abertura da Copa do Mundo de futebol, no país africano;

- 12/06: participação no “aquecimento” das escolas de samba do Carnaval de Helsinque. Não ria – o Carnaval aqui é maior do que você imagina, só que é em junho;


- 16-17/06 – acompanhamento da visita oficial do então Senhor Ministro de Estado Celso Amorim à Talim (com direito à participar de 98% da agenda e a tomar cerveja com o Ministro – um dia eu conto a história);

- elaboração de proposta de mensagem de despedida ao Primeiro Ministro Matti Vanhanen, que renunciara no dia 18 daquele mês, e de mensagem de congratulações à nova Primeira Ministra, Mari Kiviniemi;

- gestões pró-candidatura brasileira para a Direção-Geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação – à época, José Graziano ainda não era anunciado oficialmente como candidato;

- 22/06: envio, ao Brasil, da mensgem de condolências do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Estônia, Urmas Paet, por ocasião das enchentes do Nordeste brasileiro;


(continua)

7 comentários:

  1. Muita coisa pra comentar (quem, por Jaga, escreve "Aproveitando o mote para introduzir a glosa" num TELEGRAMA?!), mas...

    "Carnaval. De. Helsinque."
    I can't even.

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  2. Telegrama? Em que século foi isso? Eu já não consigo entender nem quem usa fax hj em dia, quanto mais telegrama...

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  3. Adorei.... Os pobres mortais realmente acham que a vida aí é mole (ainda que fria hehe) :)

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  4. @Night64: "telegrama" é só uma terminologia consagrada, que acabou ficando dos tempos em que de fato se usava esse tipo de comunicação. Hoje trata-se de um e-mail de formato especial e criptografado, enviado não-posso-te-contar-como... ;)

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  5. Só uma dúvida. Bem lá no início você falou que não celebramos o fato de termos nos tornado república, mas 15 de novembro não é feriado justamente por isso?

    Ótimo blog!

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    1. Diego, o que ele quis dizer é que nós, que trabalhamos em Embaixadas e Consulados no exterior, NÃO comemoramos 15/11. É dia de trabalho normal (a não ser que seja feriado justamente no país em que estás). Então, pelo visto, para o Itamaraty, valeu a pena virar Império (7/9 é feriado, inapelavelmente), mas não República...

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