terça-feira, 18 de outubro de 2011

Pra rir, pra rir (parte I)


Apresentar argumentos de forma fluida, nos dias de hoje, muito além de exigir uma esperada utilização competente da retórica, transformou-se em uma aventura digna de desafios ruins em reality shows. O emissor do discurso precisa saber desviar-se dos lugares comuns (como esta comparação que agora faço, por exemplo), escolher o caminho menos acidentado até a ideia-destino que quer comunicar, e, tal qual heroi de videogame, evitar ser atingido pelos barris ou mísseis cheios de máximas e falácias simplificadoras.

Uma dessas genialidades dá conta de que “gosto não se discute”. De fato, cada um gosta do que bem quer, e já ouvi rumores de que há pessoas que gostam até mesmo de mim. Mas essa frase embaçada esconde a preguiça ou a ignorância do fato de que existe, sim, todo um acumulado de discussões e teorias desenvolvidos ao longo de milênios, que busca refletir sobre a natureza da percepção humana, algo caro e inerente à experiência artística. Essa belezura chama-se “estética”, e, fique tranquilo, não pedirá a você para altere seu afeto pelo seu artista favorito.

A hiperrelativização de todo e qualquer conceito e abordagem, se por um lado ajudou a flexibilizar ranços arraigados de Academia branca e eurocêntrica, por outro proveu toda e qualquer discussão de uma porta dos fundos, ou de um alçapão, extremamente fáceis de ser encontrados. Na dúvida, é só soltar um “ah, mas isso depende...”, e está esvaziada qualquer possibilidade de consenso construído ou de embate construtivo.

Outro grande instrumento do terror é a acusação automática de preconceito, dirigida a qualquer afirmativa geral sobre uma determinada coletividade. É claro que ressalvas baseadas em questões raciais, por exemplo, devem ser rechaçadas como hediondas, e também é claro que eu não gosto de ouvir que “todo brasileiro” tem tal ou qual característica inevitável. Entretanto, o preconceito contra o pós-conceito limita desnecessariamente muitas conversas.

Digamos que, APÓS viver em um determinado país, ou conhecer muitos de seus nacionais, alguém sinta-se à vontade para descrever traços de comportamento ou tendências de personalidade. Embora necessariamente limitador, esse tipo de comentário não delimita uma realidade imutável. Contanto que o exercício não signifique a opção por antolhos às exceções, meandros e zonas cinzentas que possam eventualmente descrever um povo, suas considerações devem ser bem-vindas. Sem algum uso de generalizações, não haveria guias turísticos ou livros didáticos e paradidáticos. Talvez arrisque dizer que não houvesse qualquer frase, letra ou fonema. Bibliotecários de outrora e do futuro, e programadores do presente, orai por mim.

Na prática da diplomacia, cada discurso, declaração oficial, nota à imprensa, cada versão final de comunicado ou tratado, e até telegramas diários (geralmente em menor grau), são estudados e revisados por vários pares de olhos, e esculpidos de forma que expressem o que foi acordado com o grau de precisão (ou imprecisão calculada) desejado (ou possível, dependendo do caso).

Ainda bem que essa exigência não é onipresente, e eu posso evocar um Janus Stark para escapulir dos ambientes acadêmicos, profissionais, e diplomáticos… um pequeno Dickens amador, para permitir a elaboração de desaforismos categóricos, com algum prazer estético, mas sem o compromisso cirúrgico das premissas e das conclusões… um Mr.Hyde para desferir um generoso golpe de bengala nos foucaults e nos javerts dos textos alheios.

E, com isso, sinto-me um pouco mais à vontade para relembrar uma das mais úteis divisões já feitas pela sabedoria humana, que separa os seres em pessoas-cachorro e as pessoas-gato. Diz-se que as pessoas-cachorro estariam mais associadas aos dias ensolarados, à forte interação com a família, à gargalhada franca e aberta. As pessoas-gato gostam da noite, cultuam seus momentos de maior introspecção e são dados a meios sorrisos. Os caninófilos são pessoas transparentes e mais conservadoras, enquantos os pró-felinos, mesmo que também de confiança, trazem sempre uma certa aura de mistério, uma impressão de algo mais, e são dados a maiores vanguardas. Superman e Batman.

Pois existem, em verdade vos digo, pessoas-Inglaterra e pessoas-França (e vou deixar a versão iracema “pessoas-Rio” e “pessoas-Sampa” de lado, para evitar suscetibilidades geográficas mais próximas e, portanto, mais intensas). Conhecida, finalmente, a capital francesa, reuni elementos para uma seríssima reflexão.


(continua)

2 comentários:

  1. Hein!? Vamos esperar a próxima para eu começar a entender o post...Abraços.

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  2. Gil não teria dito melhor: "(o) preconceito contra o pós-conceito limita desnecessariamente muitas conversas"!


    ... ou não!

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