domingo, 19 de junho de 2011

Proporções


Tudo na vida se resume a proporções. E aqui eu nem me refiro à razão dourada, mística da natureza, e inspiradora de matemáticos, arquitetos, pintores renascentistas e escritores norte-americanos best sellers. Falo da percepção que temos de nossas experiências, condicionada, inevitavelmente, pelas comparações e analogias com o que vivenciamos anteriormente.

 
Às vésperas de completar 70 anos de idade, minha mãe, pela primeira vez, venceu os receios – com um empurrãozinho nada trivial por parte da nora -  e aventurou-se a sair do Brasil e conhecer um pouco da minha vida no exterior.  Em pouco mais de um mês, foram 4 países, perto de meio milhar de fotos, incontáveis quilômetros de caminhada turística, e uma quantidade... desproporcional... de informações e aprendizados.

Para mim, que por interesse e dever de ofício tenho contato constante com outros países, foi oferecida, além do prazer afetivo de ter a mamma por perto, uma oportunidade de acompanhar uma experiência mais pura, mais desprovida de um olhar acomodado e preguiçoso.


Foi, assim, impossível conter o sorriso ao ouvi-la comentar, durante um voo pela TAP, que “na minha época, para ser aeromoça, era preciso ser bonita”, ou, ao desembarcar no Aeroporto da Portela, acompanhar suas impressões sobre “um aeroporto enorme”, enquanto eu relembrava Heathrow ou LAX - meus padrões, por hora, de grandeza aeroportuária.

Minha mãe nasceu em uma cidade que, pelo censo de 2010, tinha 2.058 habitantes. Foi uma das primeiras mulheres a sair da região para estudar. Formou-se em Juiz de Fora e mudou-se para Brasília ainda na década de 1960, onde foi uma das responsáveis pela criação do programa de combate à tuberculose. 


Eu nasci em Brasília. Já sou filho de um Brasil urbano, e conhecer várias capitais brasileiras não me bastou. O comichão de conhecer outros países existiu desde a infância, embora só tenha se materializado muito tempo depois. Se, para minha mãe, percorrer o eixo Interior de Minas-Capital Federal já fora uma aventura de bom tamanho, para mim o Brasil era pouco. Nossas medidas de proporção eram diferentes.
 
Quando eu fui aprovado no concurso para Oficial de Chancelaria, tive uma conversa muito séria com ela, e alertei: “a partir de agora, para que mantenhamos um contato mais fluido, é preciso que a senhora aprenda duas coisas: inglês e informática. Minha vida, pela natureza do Ministério, será vivida parcialmente fora do Brasil, e essas duas ferramentas vão ser essenciais. A informática, para que nos comuniquemos de forma mais barata e frequente no dia a dia; o inglês, para quando a senhora for me visitar mundo a fora”. 

 
Por descrença ou desdém, me parece que, naquele momento, ela não levou a sério a possibilidade de que, um dia, uma filha de Aracitaba iria andar de bonde em Helsinque, percorrer as ruas de um bairro medieval em Estocolmo, ou admirar uma pintura do século XV em Talin. Isso tudo torna ainda mais prazeroso poder oferecer, a essas alturas da vida de alguém, a chance de uma nova mudança de proporções. 

Aparentemente, o vírus já se instalou... ao comentar, casualmente, durante uma refeição qualquer, sobre a possibilidade de eu voltar morar no Brasil, tive de ouvir o pedido de que “não volte ainda não, porque eu quero conhecer mais países”. Propositalmente, ou não, eis a sectio divina novamente. Missão cumprida. 


7 comentários:

  1. Eita! Agora ninguém segura a Doró!
    Vai ser dificil segurá-la no quadradinho do DF.

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  2. Maneiríssimo, hein, Ducci? Que bom que ela se animou a fazer a viagem, e aproveitou tanto!
    Abraços,
    J.

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  3. Que delícia de texto!! Eu andei distante e não tinha lido! Que você e o MRE (rs) proporcionem países distintos pra sua mãe continuar firme nessa aventura!Bjs

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