terça-feira, 27 de março de 2012

Refeição Urbana

Há pessoas que possuem uma relação afetiva com a comida mais intensa do que seria aconselhável. Além da compulsão por determinados alimentos e do aumento da probabilidade de encontrar-se em condição de sobrepeso ou obesidade, as emoções podem começar a estar associadas à comida. Assim, em vez de fazer um carinho no seu filho ou parceiro, você oferece (ou pede) um chocolate, e acha que está tudo bem.

Ao morar no exterior, essa associação entre comida e afeto tende a intensificar-se. Embora seja possível encontrar boa parte dos produtos necessários para preparar iguarias saudosas – ou improvisar algo de qualidade, em especial quando se é casado com uma alquimista da culinária -, há alguns vazios no coração (estômago?) impossíveis de preencher: seu prato favorito naquele restaurante específico, há vinte anos feito pelo mesmo cozinheiro, que você já conhece pelo nome; o tempero característico da sua mãe (da sua, não da minha, que, farmacêutica, sempre preferiu cozinhar bactérias do que comida);   o cachorro quente vendido na esquina da sua casa ou na saída de sua escola, eventualmente produzido em condições de higiene que só incrementam a explosão de sabores oferecida…


Não foi, assim, com surpresa ou vergonha, que nos pegamos redigindo uma lista de restaurantes, lanchonetes, botecos e quiosques a serem visitados em nossas rápidas passagens de férias no Brasil. Uma verdadeira turnê  de quilos a serem ganhos, que inclui desde pratos típicos do Nordeste até a fast food made in cerrado, passando por um número de idas a churrascarias maior do que recomendado por médicos ou por consultores financeiros.

Hoje, aproveitando um retorno de viagem ao Brasil, e o aniversário - 27 de março – do Trovador Solitário, eu ofereço a vocês nossa singela homenagem aos brasileiros gastronomicamente expatriados:

Há trempes

Parece cocaína, mas é só farinha
talvez seja farofa...
Muitos temores nascem na viagem
e na imigração
A tapioca e o polvilho
temperos são a glória da cozinha brasileira
E há tempos fiz um lanche
fui comendo, fui comendo...
Teu pão de queijo está queimado
e ainda assim acho bonito
Já estamos desacostumados
a comer essas delícias
A fome vem e a fome vai
e o resto é gula mesmo...
Dissestes que um pedaço só
não ia fazer mal
à saudade que se sente
E o cheiro atrairia
todo mundo lá pra casa
Foi a vizinhança inteira...
E há tempos
Lembro tanto da comida
servida requentada
E há tempos eu não como feijão preto
E há tempos o churrasco está ausente
E o pastel foi esquecido
E só o acaso estende os braços
A quem procura
angu e requeijão...
Meu amor!
Cervejinha com batata,
tira gosto, calabresa
Caipirinha é com cachaça
(Ela disse)
Lá em casa tem um pouco
e a panela está quentinha.


PS 1: Agradecimentos a Leandra Felipe e Bruno Santos, coautores de alguns dos versos.
PS 2: Se você é um dos 99,999% dos leitores que não são feitos de madeira, eu não preciso mostrar o link. Mas se você esteve em coma nos últimos 23 anos e não conhece a música original, ilumine-se em: http://www.youtube.com/watch?v=h3zzDSpYPR8.

6 comentários:

  1. Esses versos tocaram a alma:
    "E há tempos o churrasco está ausente
    E o pastel foi esquecido..."!

    Muito bacana a versão, acabei cantando pra Patricia aqui do lado! Abs

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  2. Ah, que ótimo!!!!!!!!!!!!!
    Dei sorte de achar feijão preto na Índia, de trazer 20 kilos de farinha de mandioca amarela (alguns ainda vivem) e de, na Argentina, ter sido visitado e poder cobrar uns cafés, umas goiabadas e paçocas de pedágio!

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  3. Adorei!!!!! E o pastel foi esquecido! Super... ai me deu fome :)

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Sua verve paródico-musical segue afiada! Até acho que daria boa seção do blog! (comentário anterior retirado para correção do analfabetismo do comentarista).
    Abs!!

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  6. Fez-me lembrar da época em que morei 2 anos na Espanha e morria (mataria, talvez !?!) por conseguir um pouco de REQUEIJÃO.
    Abçs.

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