A cultura e o imaginário brasileiro
está repleto de construções conceituais e referências diversas às cadeias de
raciocínio e às opções de elocução por parte de nossos ex-metropolitanos
portugueses. Como diplomata, é parte do meu treinamento e, ousaria dizer, do
meu dever de ofício desconstruir preconceitos arraigados nesses estereótipos.
Mas às vezes os próprios objetos dessas visões limitadas não ajudam…
O itinerário mais direto que levava de Helsinque a Brasília, e evitava a
obrigação de passar por Rio ou por São Paulo, previa uma conexão em Lisboa. A
desvantagem dos voos era a permanência em solo durante longas horas, embora
isso permitisse algum tempo para descanso e passeio.
Eu já visitara a capital portuguesa em outras oportunidades, o que me
fez dar preferência por reservar um hotel próximo ao Aeroporto da Portela,
dormir um pouco, e, quem sabe, passear no Centro Comercial Vasco da Gama, para
matar o tempo.
Entrei no táxi na saída do Aeroporto, ainda grogue de sono, devido ao
horário ingrato da partida desde Helsinque – 5 horas da manhã – e recebi a
primeira garantia que não estava mais na Finlândia. Ao instruir o motorista,
comentei que iria para um hotel não muito longe dali. O patrício retrucou, nada
carinhoso…
- “Ora, mas se é perto, porque é que não vais a pé?”
A falta de energia me impediu de responder algo à altura, que envolvesse
a referência à genealogias ou orifícios corporais. Sorri amarelo, paguei a
corrida – sem gorjeta, obviamente - e dormi boas horas de sono garantidas por
um early check in.
Como programado, almocei no Vasco da Gama, e pude reparar que a quase
totalidade dos atendentes em restaurantes ou lanchonetes eram ou brasileiros,
ou nacionais de países africanos de língua portuguesa. De certa forma, isso
aumentava a simpatia do serviço. Outra rápida percepção foi a de o custo de
vida em Lisboa era bem mais baixo do que em Helsinque, a julgar pelo preço dos
alimentos.
Uma sessão de cinema e um passeio pela FNAC deram sequência à tarde
agradável. Senti um daqueles pequenos prazeres da vida ao entender as manchetes
nos jornais e revistas. Mal tinha noção do quanto isso fazia falta no dia-a-dia
de semi-analfabetismo em Helsinque.
Entender a língua local me fez, em seguida, não conter o riso, ao passar
pelas prateleiras de filmes à venda, e reparar as curiosas diferenças entre
Brasil e Portugal, nas traduções dos títulos dos filmes. Assim, “O Planeta dos
Macados” anuncia “O homem que veio do futuro”, “Um corpo que cai” é “A mulher
que viveu duas vezes” e o “Cidadão Kane” tem “O mundo a seus pés”.
Percebi que era hora de voltar ao aeroporto e desistir momentaneamente
de Portugal quando decidi tomar um café no quiosque mais próximo. Relato, sem
adaptações ou comentários:
- Por favor, um expresso duplo.
- Na xícara grande ou na xícara pequena?
(sem entender bem a razão
da pergunta, mas optando pela segurança):
- Uhmm.. na xícara grande?
- Ai, que bom, então… Não iria mesmo caber na xícara pequena…
Fim do interlúdio
(continua)
à boleia pela galáxia... prefiro o nosso guia do mochileiro =D
ResponderExcluirMuito fixe tua aventura, gajo rs. Sorte que ainda falaram xícara, geralmente usam 'chávena'.
ResponderExcluirjuro que nao sei o que pensar sobre o tal café duplo... Pra que eles perguntam?
ResponderExcluirnada como uma conexão em LIS para aliviar a tensão de horas de viagem...
Gosto muito dos Tugas. Muito agradável Portugal e as vezes engraçado, divertido, leve. Grosseria mesmo senti em Londres...
ResponderExcluirNão sei qual é o fuso de Helsinque, mas o curioso é que o voo da TAP sai às 9:30(hora de Lisboa) e não sei como você conseguiu fazer tantas coisas por Lisboa em tempo, aparentemente para mim, exíguo. Parabéns pelo dinamismo.
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